Adeus Poliana
Acho que, antes de mais, tenho
que vos falar da Poliana. A Poliana era uma menina pequenina
que queria ser feliz. E esse desejo era tão forte que
todos os dias tentava encontrar um pensamento feliz e compensar
com ele as coisas tristes que lhe aconteciam. E mesmo quando
os seus pais morreram, Poliana manteve a sua obsessão
pela felicidade, tentando sempre ver o lado bom da vida.
Esta história inspira uma "panca" muito actual,
que parece afectar cada vez mais a generalidade das pessoa: a
polianite.
Na era do politicamente correcto,
parece-me urgente que sejamos incorrectos. Por favor, que isto
já é um caso de vida ou morte. Vida ou morte da
consciência (lembram-se dela? Aquele desconforto que nos
roía a alma sempre que pisávamos o risco?). A consciência
já não é mais que um espectro, tal como
fazem cada vez menos sentido aqueles valores básicos que
um dia nortearam o ser humano...
Deixemos de fazer a apologia
da felicidade. Se não nos sentirmos felizes, nem alegres,
nem sequer bem dispostos, para quê fingir? As pessoas lidam
cada vez pior com a infelicidade, tanto sua como alheia. Se perguntamos
"como estás?" fazêmo-lo como cumprimento
ou cortesia e se do outro lado nos surge um "pessimamente",
ou apenas um "não muito bem" entramos logo em
pânico, ficamos sem saber o que dizer e esquivamo-nos o
mais rápido que conseguimos...
Vivemos num meio cada vez mais
insensível, num mundo que promove o optimismo como modo
exclusivo de vida, com receitas infalíveis que as revistas
multiplicam ao infinito, ensinando fórmulas mágicas
para encarnarmos de vez a farsa do sr feliz e do sr contente,
nos enquadrarmos neste estranho projecto social e não
constituirmos fardo para ninguém. Aderimos a esta campanha
de insensibilização sem nos apercebermos que as
cotas são demasiado altas. Neste "saber viver"
social perde-se cada vez mais o indivíduo. Perdemos as
tristezas individuais para nos deixarmos ir nessa ilusão
da felicidade global.
Claro que com isto tudo não
quero promover a infelicidade. Só quero dizer que chorar
de vez em quando não tem nada de mal. E que nessas alturas
ter um ombro amigo e sincero sabe ainda melhor. É que
cansa ver as pessoas mudar de canal ou desviar os olhos sempre
que a televisão mostra a miséria em que o resto
do mundo se afunda, cansa ver que as pessoas se preocupam cada
vez mais com a imagem e menos com o conteúdo. É
terrível chegar ao ponto em que olhamos para uma fotografia
do Sebastião Salgado e, perante o cenário de guerra
e sofrimento, só conseguimos dizer "bela fotografia,
repara no contraste...". Agora é assim... se os nossos
amigos parecem estar bem, então é porque estão.
E se não estiverem não interessa, porque se parecem
estar é porque estão a atravessar uma benéfica
fase de negação e vão acabar por superar
o problema!
É mesmo urgente escapar
a esta conspiração (ui, que exagerada...). Sejamos
mesmo incorrectos. Recusemos que façam de nós Polianas! |