Big Brother:
boçalidade e vazio
As regras são conhecidas:
a massificação do consumo leva as empresas a determinarem
os seus investimentos publicitários na TV em função
das audiências, e a procura de mais audiência conduz,
inevitavelmente, à degradação da qualidade
dos programas. Por isso, surgem concursos abjectos como o "Big
Brother", na linha de outros de natureza idêntica.
Quem não se lembra do "Agora ou nunca!", onde
os concorrentes se sujeitavam a todo o tipo de tropelias para
ganharem umas notas à vista?
A partir daqui, já se sabe que o caminho será sempre
a descer e ninguém pode dizer até onde. Mas, pondo
de lado o aspecto mais repugnante da coisa, que é uma
televisão "comprar" cobaias humanas para serem
observadas como ratos de laboratório - seja pelo dinheiro,
pela notoriedade ou por simples apelo à tentação
exibicionista que a todos atinge de uma forma ou de outra e em
maior ou menor grau - o "Big Brother" podia até
ser um concurso interessante. Bastaria que os concorrentes seleccionados
pela produção tivessem alguma coisa para dizer,
alguma arte ou número especial, algo que suscitasse maior
curiosidade do que a de saber até onde vai a boçalidade
e o vazio mental.
Provavelmente, não seria fácil encontrar gente
interessante entre os candidatos, porque é preciso ter
estômago, ou uma grande necessidade, para alguém
com dois dedos de testa se dispor a tal experiência. Mas,
no caso do "Big Brother" português, o nível
de indigência é tal, que só pode resultar
de uma opção deliberada dos seleccionadores e não
de simples azar quanto ao naipe dos concorrentes.
"Voyeurismo" e multidões
Sendo este o triste e aparentemente irrecusável destino
das estações generalistas na área da programação
- a salvação do telespectador um pouco mais exigente
está na profusa e diversificada oferta do cabo, cada vez
mais generalizado - pode ser forte a tentação de
reagir a estas "novelas da vida real" com a própria
vida real que é, como se sabe, muito mais rica do que
a ficção. E, igualmente, uma garantia segura de
audiências.
Daí que, no dia em que a TVI mostrou o "Big Brother",
a SIC tenha respondido com um bom trabalho de investigação
e reportagem sobre as misérias da saúde, a comprovar
uma vez mais que a televisão é capaz do pior e
do melhor. Mas "Isto é um escândalo!"
foi apresentado sob a forma de campanha e com tal espavento que
apareceu como assumido contraponto do espectáculo que
a concorrência ia apresentar. A futilidade do "Grande
lrmão" anunciado opôs-se, com o mesmo objectivo
de segurar as audiências, um retrato vigoroso e cru de
uma realidade que muitas vezes passa ao lado do jornalismo português
e com a qual os cidadãos e os poderes públicos
devem ser confrontados. Em vez da casa alegre e colorida dos
concorrentes da TVI, a SIC mostrou as casas de muitos portugueses
marcados por uma tristeza profunda e inapelável - homens
e mulheres que não participam em concursos, mas se sentem
obrigados a expor os dramas da sua existência para tentarem
melhorá-la.
Tanto o exibicionismo de uns como a necessidade de outros alimenta
o "voyeurismo" das multidões, o qual está
na base do sucesso da televisão enquanto meio. E sendo
esse o filão do negócio, é claro que vai
continuar a ser explorado por todas as vias. |