O jornalismo
on-line não existe
"Nós
não somos do século de inventar palavras. As palavras
já foram inventadas. Nós somos do século
de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas."
Almada
Negreiros
Agora fala-se muito disso de
jornalismo on-line. Que piada. Então que é isso?
E pergunto o que é isso porque não basta criar-se
um jornal na Internet, ou até exclusivamente na Internet
para, automaticamente, se poder falar em jornalismo on-line.
Numa altura em que praticamente todos os jornais "de papel"
avançam para edições digitais, em que já
surgem jornais apenas em formato informático, o jornalismo
on-line é apenas um eufemismo, um conceito a que ainda
não foi dada uma consistência e um significado reais.
O motivo é simples: falta adaptação ao meio
e, antes disso, conhecimento desse meio.
A Internet tem vindo a impôr-se no mundo urbano ocidental
como um autêntico fenómeno. São cada vez
mais os cibernautas, é cada vez maior e mais descontrolada
a cibermania, são cada vez mais sentidos os efeitos dessa
nova "addiction". Era previsível que, permitindo
alcançar um público potencialmente tão vasto
a muito baixos custos, a Internet se tornasse rapidamente alvo
da atenção de todo o tipo de empresas com alguma
visão de futuro. Entre estas encontram-se muito naturalmente
os meios de comunicação. Primeiro jornais e revistas,
agora também rádios e televisões, os media
encontraram um veículo por excelência para expandirem
a sua influência de forma verdadeiramente massificada.
No entanto, são já muitos os projectos falhados.
Dois exemplos recentes chegam-nos do Quebec: o Journal de Québec
e o Journal de Montréal decidiram encerrar os seus sites,
concluindo que a simples repetição do conteúdo
da edição em papel na net, sem "valor acrescentado",
não tem grande interesse quer para os leitores habituais
da versão tradicional, quer para os cibernautas em geral.
Mas não é necessário que falhem projectos
deste tipo - transposições de jornais de papel
para o computador - para que esta conclusão faça
sentido.
Se de facto a Internet é o futuro, se poderá vir
a transformar-se num veículo de informação
por excelência, se muito provavelmente é a nova
área de expansão do jornalismo, qual o interesse
em continuar a despejar na rede uma cópia integral das
versões tradicionais de jornais e revistas? E qual o interesse
de, criando-os de raíz na net, continuar a fazê-lo
de acordo com padrões próprios desse outro meio?
Ao contrário do que se poderia prever, a leitura no computador
revela ter futuro. Um estudo conjunto da Universidade de Standford
e do The Poynter - o Standford-Poynter Project - conclui que
as pessoas que lêem notícias no computador olham
primeiro para o texto e só depois para as imagens. Uma
conclusão inesperada se tivermos em conta que estudos
anteriores sobre o comportamento dos leitores de jornais em papel
revelam que a imagem era o chamariz da página impressa,
aquilo que muitas vezes fazia com que a pessoa desejasse ler
a notícia.
É até muito provável que o texto predomine
sobre a imagem na Internet. Quem lê no computador pode
estar simultaneamente a responder a e-mails, fazer downloads,
"conversar" em diversos chats ao mesmo tempo, fazer
pesquisa, entre muitas outras hipóteses. Por outro lado,
a Internet paga-se, o que exige em muitos casos relativa rapidez
no seu acesso e consulta e, por outro lado, vem conferir uma
nova importância ao acesso imediato à notícia.
Rapidez é a palavra chave. E com a rapidez exige-se naturalmente
precisão, concisão, exactidão, objectividade,
rigor. Nada aborrece mais o leitor que uma notícia demasiado
longa, sobretudo no computador que, sendo ainda muito pouco analógico,
se torna fatigante para a vista e para o cérebro. A nova
escrita exige uma nova perspectiva sobre os assuntos, uma forma
diferente de os abordar, que conjugue a clareza de estilo com
uma escolha rigorosa do vocabulário, privilegiando palavras
e frase breves. É daqui que resulta a sensação
de rapidez, não da supressão de pormenores. Se
esta é já uma lei inquestionável para o
jornalismo sério, para esta nova escrita on-line torna-se
um imperativo essencial. E não existe contradição
entre uma escrita concisa, simples e directa e um estilo expressivo
e agradável. Uma reportagem não necessita de adjectivos
fortes ou frases longas para adquirir vida. Pelo contrário,
isso só perturba o seu verdadeiro objectivo: informar
com o maior rigor e isenção possíveis.
O grande desafio do momento é a criação
de um jornal que já não seja uma cópia dos
modelos tradicionais mas sim fruto do meio em que se insere.
Esta ruptura significa, antes de mais, olhar a Internet como
um novo meio de comunicação, que necessita de novas
formas de apresentação dos conteúdos, não
só a nível da imagem mas sobretudo da própria
linguagem. A escrita on-line tem que romper definitivamente com
os padrões tradicionais e o livro de estilo de um jornal
digital tem necessariamente que estar adaptado às características
desse novo meio, dinâmico, fluído, oferecendo a
hipótese de informar em tempo real.
Actualmente ainda nos comportamos em relação à
Internet como condutores que andam a 50 na autoestrada com carros
que dão 500 à hora. Qual o interesse de ter descoberto
um meio fantástico se não o explorarmos, se continuarmos
a desbravá-lo tão timidamente? Façamos da
net um laboratório de novas e revolucionárias experiências.
A matéria-prima está ali, à espera de ser
moldada. Se a net é o futuro, então vamos inovar.
Vamos descobrir uma nova forma de comunicar através dela.
Escrever para um jornal on-line tem a sua especificidade própria.
Já não se trata apenas de descobrir o nosso público-alvo
e adaptar os conteúdos às suas expectativas. Trata-se
sobretudo de adaptar a forma como levamos esse conteúdo
até aos ciberleitores. |