Jörg
Buttgereit, Alemanha, 1987
Nekromantik
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Certos filmes
fazem história pela elevação do cinema a
uma arte maior. Outros pelo orçamento, pelo nº de
bilhetes vendidos, ou até por serem realmente maus, como
o famoso "Plan Nine from Outer Space" de Ed Wood.
Outros há, no entanto, que se tornam referência
pela infâmia que espalham. Nekromantik é um desses
filmes.
Primeira longa-metragem do (então) jovem alemão
Jörg Buttgereit, esta película ensopada em sangue
e sexo com mortos (!) torce as fronteiras do suposto 'bom gosto'
a um nível poucas vezes antes visto. A normalidade com
que o desvio é tido, tratado e apresentado terá
certamente sido demasiado para os censores mundiais. No país
de origem o filme não pode ser exibido, incorrendo o realizador
e o staff da sala de cinema em pena de cadeia e pagamento de
multa. No Reino Unido o filme foi imediatamente banido, tendo
sido apresentado apenas uma ou duas vezes, ilegalmente, em festivais
de cinema extremo. Finlândia e Singapura também
o baniram.
O mais interessante para o caso acaba por ser o facto de que
o filme até tem bastante qualidade, não tanto a
nível técnico, campo no qual só a fotografia
em certas alturas é que escapa, nem a nível da
história, que, convenhamos, não transporta a escrita
de guiões a um novo plano, mas antes pela coragem do tema
(é apresentada uma realidade) e pelo facto das cenas de
violência estarem totalmente enquadradas na história
e no espírito do filme. Não é, como se poderia
pensar, um daqueles filmes de terror adolescente em que uma história
banalíssima nos fornece, de x em x minutos, uma cena de
gargantas cortadas para que os espectadores saltem na cadeira.
Aliás, terá sido, creio, precisamente pelo facto
de o filme se tomar a si próprio tão a sério
e de ser de facto uma Obra, que se tornou tão desconfortável
para a censura. A aceitação do filme pelos seus
méritos artísticos (que de facto os tem, a meu
ver), abriria um precedente perigoso para os Estados que ainda
acham que os cidadãos adultos são crianças
a quem deverá ser dito o que devem ou não ver.
Quanto mais não seja, Nekromantik é, tal como Plan
Nine from Outer Space o tinha sido, a força e o desejo
de uma pessoa de fazer um filme à sua maneira, boa ou
má, mas honesta. E é tudo o que se deve pedir.
pedro homero
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