Jorge Bacelar |
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Filhos & Enteados
O assunto é politicamente
incorrecto: das discussões à volta da droga, das
toxicodependências, das penalizações e despenalizações
ao consumo, ao tráfego, etecétera, vou (como dizem
os brasileiros) mexer em ninho de marimbondo.
Tem-se como pacífica (e oficial) a tese de que as toxicodependências
são doenças.
Pela lei que vamos tendo, os doentes têm direito à
assistência através do Serviço Nacional de
Saúde.
Logo, o silogismo é óbvio: os toxicodependentes
têm direito à assistência.
Muito bem.
Pergunto: quanto se gastará, diária, semanal, mensalmente
em consultas, tratamentos, desintoxicações (as
quais, ao que consta, são bué da fixe, pois o pó
bate muito melhor depois...). quanto pagam famílias desesperadas
para manterem os seus filhos-irmãos-cônjuges-primos-tios
internados em instituições, na ténue esperança
da cura e de um fim para as rapinas dos seus bens? Quanto gasta
o Estado (que, ao que parece, somos nós todos) para tratar
esta doença? Muito. Mesmo muito.
Esta meditação tem uma intenção malévola.
Eu explico: apesar de não ser este o meu território
(cheiro a formol, médicos, doentes, etc...), tenho um
agente infiltrado no sistema. E esse agente, em relatórios
quase diários, relata-me as fortunas que passam de mãos
no esquema das desintoxicações. No fundo, a negociata
deve render tanto como o tráfico, com a vantagem de ser
legal e socialmente aceitável (e nem tudo é declarável
ao fisco). A intenção malévola deste texto
reside no seguinte: os números dizem que da toxicodependência
pesada, isto é, dos que chutam prá veia, temos
um por cento da população. É triste, mas
se os números o dizem, quem somos nós para o desdizer?
E, portanto, esses doentes têm direito a ser assistidos.
Os números também dizem que um por cento da população
é esquizofrénica. É igualmente triste. E
continuam a ser números. Dos oficiais. Indesmentíveis.
Só que cuidar de esquizofrénicos não é
tão rentável como as desintoxicações.
Nem tão mediático. Estes doentes precisam de equipas,
de cuidados, de atenção, de um internamento - à
margem da lógica mercantil dos hospitais. Os resultados
demoram anos a ser visíveis. E os boys e os ministros
querem curas imediatas, do género "levanta-te e anda",
das que dão direito a notícia: sucessos garantidos
e a curto prazo, que as eleições estão a
chegar. Uma cama de hospital - mais os salários dos técnicos
de saúde - custa balúrdios por dia. E os hospitais
têm que demonstrar rentabilidade e resultados, senão
o ministro puxa as orelhas ao administrador. E os doentes esquizofrénicos
por aí ficam, abandonados. Quanto gasta o Estado (que,
ao que parece, somos nós todos) para tratar estes doentes?
Muito pouco. Mesmo muito pouco.
PS: este texto só refere
os doentes esquizofrénicos mas o catálogo não
se encerra aí: psicoses sortidas, idosos dependentes (acamados,
paralisados, demenciados - Alzheimer, pois é) etc, também
recebem atenções idênticas de quem manda.
Apesar de a lei dizer outra coisa.
Pode ser que a moda passe.
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