Reserva Biogenética
do Parque Natural da Serra
"Paraíso
escondido"
revela historial milenar da Estrela
São
mais de 10 mil hectares protegidos pela designação
"Reserva Biogenética". A esmagadora maioria
dos visitantes não sabe que ela existe e muitas vezes
até a prejudica. Ao Parque Natural cabe divulgá-la
e protegê-la. Mas sem reconhecimento oficial em Portugal
e com algumas lacunas em termos de sinalização
informativa a tarefa é complicada. Os percursos pedestres
são a nova aposta para chegar ao grande público.
POR SÉRGIO FELIZARDO
Em pleno Planalto Central da
Serra da Estrela, espécies de fauna e flora únicas
na Península Ibérica e mesmo na Europa escondem-se
por detrás de grandes maciços montanhosos e espalham-se
pelo fundo dos vales mais recônditos. Locais quase inacessíveis,
de enormes e macios relvados, dominados pelos musgos, turfeiras,
cervunais (área coberta por cervum. Planta herbácea,
espontânea nas regiões elevadas do Centro), répteis
e variadíssimos insectos, servem de último refúgio
a um património natural único, integrado pelo Conselho
da Europa na Rede Europeia de Reservas Biogenéticas, em
Março de 1993.
Permanentemente ameaçada pelo assédio dos turistas,
desconhecedores das características da região e
pouco interessados em mais do que duas ou três escorregadelas
na neve, a área de Reserva Biogenética do Parque
Natural da Estrela é um autêntico tesouro que tarda
em ser revelado, na sua plenitude, ao mundo exterior. São
mais de 10 mil hectares acima dos 1600 metros, divididos por
duas zonas, fortemente influenciados pelo atlântico, mas
também pelo mediterrâneo, e que, literalmente, "contam"
a história da maior montanha de Portugal Continental desde
a sua formação há milhões de anos.
Superfícies polidas, vales glaciários, moreias,
circos, lagoas e relvados húmidos, são as marcas
mais visíveis e originais para o observador comum e constituem
termos rotineiros no dia-a-dia dos técnicos do Parque
Natural a quem cabe proteger, divulgar e preservar a Reserva.
Visitantes desconhecem Reserva
Angelina Barbosa, responsável
pelo sector de informação e divulgação,
acredita que a relação dos portugueses com um dos
seus mais importantes "santuários" naturais
está a mudar. No entanto, mantém reticências
em relação ao verdadeiro conhecimento que existe
sobre a área de Reserva e a sua importância. "As
pessoas estão habituadas a ver o Planalto Central por
estrada quando passam de carro em direcção à
Torre e à neve e nem se apercebem da riqueza que, por
vezes, está ali a poucos metros", sustenta.
A impossibilidade de chegar à maior parte desses locais
sem ser a pé e a dificuldade em colocar à disposição
das populações informação mais abrangente
retirada dos inúmeros estudos científicos levados
a cabo nos últimos 30 anos, são algumas das explicações
avançadas para este desconhecimento. Angelina Barbosa
diz que há quem lance criticas ao Parque Natural devido
a essas lacunas, mas, continua, "se é óbvio
que há interesse que as pessoas conheçam, também
é lógico que a prioridade é proteger".
"Essa protecção, nalguns locais da área
principal da Reserva (Planalto Central, zona A, com cinco mil
465 hectares), até é feita naturalmente, devido
às acessibilidades complicadas. Na zona B, considerada
como "tampão", situada mais abaixo e onde se
inclui, por exemplo, o Covão d'Ametade, o Vale do Rossim,
ou a Lagoa Comprida, isso já não acontece. São
locais visitados por milhares de pessoas que, na sua maioria,
não respeitam os cuidados mínimos a ter e causam
um impacto ambiental extremamente negativo", sublinha a
técnica do Parque.
"A Serra é muito
mais que a neve"
Motivos mais do que suficientes
para que a "moda da Serra da Estrela" encontre nas
regras de circulação e utilização
um entrave aos visitantes mais afoitos e desrespeitadores.
"O desporto de natureza organizado é, hoje, uma realidade
incontornável. Do BTT, à equitação,
passando pela escalada e, claro, pelo todo-o-terreno, são
milhares de pessoas que andam aí por todo o lado. Nós
não queremos transformar a Serra num santuário
interdito a tudo e todos, mas os sedimentos acumulados durante
milhões de anos e os pólens que nos dão
informação vital sobre este sistema ecológico
têm que permanecer intocáveis", defende Angelina
Barbosa. Daí à proibição de qualquer
tipo de provas motorizadas em área de Reserva Biogenética
foi um passo que, apesar de polémico, é, na opinião
daquela responsável, "absolutamente essencial".
"Qualquer actividade de todo-o-terreno, bem como os percursos
designados, tem que ser previamente autorizada e definida pelo
Parque. A competição, por exemplo, é sempre
de evitar porque leva os concorrentes a procurarem caminhos mais
rápidos e, possivelmente, a incorrerem em irregularidades
que vão prejudicar todo um habitat único".
A própria prática do esqui não é
totalmente pacifica. Provavelmente o maior chamariz de turistas
e grande impulsionador económico da região, é
criticado pelas associações de defesa do ambiente
e, também, por Angelina Barbosa. Telma Madaleno, da Quercus
- Cova da Beira, garante que a sua prática é a
principal responsável pela destruição dos
cervunais e defende a sua proibição na Reserva
Biogenética.
A técnica do Parque, por sua vez, reconhece que o esqui
"tem e deve existir", mas não deve ser a "única
actividade a merecer honras de divulgação nacional":
"Sobretudo para as pessoas perceberem que a Estrela é
o que é, sem neve ou com ela. Não vale a pena fazer
grandes estações de esqui que não podem
ser utilizadas a maior parte do ano. A Serra é muito mais
e as potencialidades de Verão são imensas. O ar
fresco, as lagoas, as paisagens para fotografia, são coisas
singulares. E acrescenta: "Uma vez um visitante que veio
dos Alpes dizia, com razão, para deixarmos o esqui e pormos
toda a gente a andar a pé".
Legislação oficial
com sete anos de atraso
Pôr os visitantes a "andar
a pé" é, precisamente, o objectivo do guia
de rotas pedestres lançado pelo Parque Natural há
pouco mais de uma semana.
Percursos organizados que percorrem todas as áreas mais
ricas e importantes da Reserva Biogenética e que constituem,
para já, a primeira grande acção especialmente
direccionada para o "grande público". Angelina
Barbosa espera que seja um tónico importante para que
os portugueses reconheçam finalmente o valor do património
natural que a Estrela encerra. São três grandes
rotas e mais seis variantes que levam os caminhantes a subir
ao planalto e a descer ao fundo dos vales. Grandes desníveis,
através de caminhos antigos traçados pelo homem
e que o tempo, os incêndios, ou a construção
de novas estradas apagaram em parte.
As regras para os caminheiros são rígidas e incluem
a proibição de fazer campismo fora dos locais para
isso destinados (Vale do Rossim, Penhas da Saúde, Covão
da Ponte e Covão d'Ametade) e a obrigatoriedade de não
fazer fogueiras e de recolher todos os detritos. A interactividade
com as populações locais é outro dos atractivos
destes percursos. Angelina Barbosa chama a atenção
para as vantagens decorrentes das caminhadas e do contacto com
os povoados: "São localidades muito tradicionais,
dedicadas sobretudo ao pastoreio, onde se pode observar que muita
da acção humana na Serra não é prejudicial.
Muito pelo contrário. Ou seja são locais que têm
muito a ensinar e a dizer a quem vem de fora".
Para já a responsável garante que a procura deste
tipo de turismo já é considerável. Mais
reconhecimento, remata, "talvez quando a Reserva Biogenética
estiver oficialmente reconhecida e legislada pelo Governo Português".
É que, apesar do Comité Director para a Protecção
e Gestão do Ambiente e do Meio Natural do Conselho da
Europa, a ter reconhecido como tal em 93, juntamente com o Parque
Laura e Silva na Madeira, o mesmo ainda não aconteceu
a nível nacional. A justificação para o
atraso de mais de sete anos pode estar no facto de o Plano de
Ordenamento do Parque Natural estar em fase de actualização.
Uma condição essencial para a legislação
da Reserva, que, segundo pudemos apurar junto do director, Fernando
Matos, poderá estar resolvida em Setembro.
*NC / Urbi et Orbi
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