1740-1814
MARQUÊS DE
SADE |
por
pedro homero |
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Donatien-Alphonse-Francois de Sade destaca-se
não por uma obra em especial, ou sequer pelo conjunto
das suas obras como um todo, mas antes pela importância
da sua vida e filosofia para as gerações futuras,
quer estas queiram quer não.
A obra de Sade, vasta (se pensarmos que passou preso 27 dos seus
74 anos) e profunda (tanto a nível filosófico como
a nível psicológico) surge como base sólida
para o desenvolvimento dos estudos psicanalíticos, sociais
e morais que só veriam a luz do sol no séc. XX.
Inovador, perturbador e revolucionário, Sade fincou pé
nos seus ideais e teve a coragem de os viver até ao fim,
sendo perseguido por todos os regimes que viu passar - Antigo
Regime, Revolução Francesa (em várias das
suas fases) e Imperialismo.
Ao contrário do que se possa pensar, a obra de Sade não
se resume a temas de teor sexual. É certo que o seu nome
daria origem ao termo Sadismo, estabelecendo o paralelismo entre
as afirmações do autor no que concerne à
satisfação da vontade de poder no acto sexual e
as práticas (fetichistas ou não) centradas em infligir
dor. Contudo, é na ideia de Deus, ou melhor, na refutação
dessa ideia, que Sade brilha verdadeiramente. No seu excelente
"Diálogo entre um Padre e um Moribundo", o Marquês
refuta, sob a forma platónica mas com conteúdo
muito seu, a existência de uma divindade (na forma cristã,
pelo menos) e ataca a maneira como o crente teme o ser superior.
Por outro lado, a hipocrisia dos seus pares não lhe passa
desapercebida, seja na criação de leis despóticas
por parte daqueles que são os primeiros a negá-las
na prática privada, na lascívia do Clero, ou nas
mentiras dos que se dizem revolucionários (mas o consideram
perigoso demais).
Acima de tudo, Sade sofreu por trazer para a luz do dia a podridão
da sociedade em que viveu - extremo e até criminoso, é
certo, mas culpado apenas de não negar a sua identidade
e o prazer que tirava das suas acções. A opressão
sofrida foi, em grande medida, catalisadora do seu engenho, o
que leva a pensar se a sua filosofia e obra em geral teriam sido
tão acutilantes e tão reveladoras do espírito
humano (ou pelo menos do que este tem de mais obscuro) se tivessem
tido um livre curso.
De certa medida, e para fornecer uma comparação
actual, Sade têm hoje em dia uma figura que se assemelha
muito à sua posição na sociedade. Refiro-me
ao americano Larry Flint, editor de revistas pornográficas,
retratado no filme homónimo, realizado por Milos Forman.
Se bem que a qualidade das suas publicações possa
ser posta em causa, Flint, tal como Sade, estica ao máximo
a corda da liberdade de expressão e mostra aquilo que
muitas pessoas querem ver e muitas outras querem que se mantenha
oculto. Assumindo as suas opções de vida e apontando
a hipocrisia de quem os ataca, ambas as figuras põem em
causa aqueles que, arvorando a bandeira da moralidade, (sendo
tão ou mais imorais que qualquer outra pessoa), lutam
para acabar com a liberdade de expressão.
Curioso é, portanto, que Sade, que tanto lutou contra
o martírio cristão, tenha sido ele próprio
um mártir da sua causa. O que não deixa de ser
muito irónico.
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