William Clinton
POR JOSÉ GOULÃO*
Chegou à Casa Branca com
o ar suburbano do Arkansas vagamente polido em tons de costa
leste pelos hobbies do jogging e do saxofone. Sai com tiques
de imperador bem sucedido, benevolente e magnânimo, apimentados
com ressonâncias revisteiras de episódios banais
de canal 18.
Mas deixou um rasto profundo na História. Durante os oito
anos em que William Clinton habitou na Casa Branca como presidente
dos Estados Unidos da América o mundo tornou-se irreconhecível.
A política hoje é assim: os políticos emprestam
a imagem; o resto acontece para além deles e dos que os
elegem.
William Clinton (Bill, pois assim é conhecido como regedor
da aldeia global) soube jogar as regras do jogo. Sempre que foi
necessário interpretou publicamente, temperando com os
condimentos da democracia e dos direitos humanos, a vontade ditatorial
dos impérios económicos e financeiros com sede
nos Estados Unidos; ele foi o general honorário para as
estratégias de controlo mundial traçadas pela associação
entre os generais do Pentágono e os barões da indústria
e da revolução tecnológica; ele foi o boss
dos bosses na aplicação de um sistema de trabalho
baseado na insegurança, na discricionaridade, na mobilidade
e na competitividade trituradora das relações humanas;
ele foi, enfim, o pregador-mor da ideologia sem ideias arquitectada
pelos sumos sacerdotes da economia neoliberal e do absolutismo
tecnocrático que lhe está associado.
Ao jogar as regras do jogo onde é tão só
uma torre entre peões no xadrez da política internacional,
William Clinton garantiu um lugar na galeria dos retratos da
História contemporânea que, de facto, é manipulada
por gigantes sem rosto e sem alma.
Com ele na Casa Branca os conglomerados industriais e comerciais
arrasaram barreiras e fronteiras, apropriaram-se dos recursos
naturais do planeta, universalizaram a circulação
do seu dinheiro, ditaram leis sobre a vida de milhares de milhões
de cidadãos.
Com ele na Casa Branca o FMI e o Banco Mundial governaram centenas
de países a rogo inevitável de governos considerados
democráticos, muitos deles testemunhando a conversão
milagrosa de ditadores.
Com ele na Casa Branca, a ONU transferiu-se para Washington,
a NATO avantajou-se e transformou-se no braço armado das
Nações Unidas, o Pentágono dirigiu guerras
que outros pagaram com dinheiro e com vidas, o complexo militar-industrial
exibiu no terreno e sem riscos o mostruário das novidades
em armas de extermínio cirúrgico em massa, os Estados
Unidos conservaram - e ampliaram - o seu controlo sobre a capacidade
de decisão política, militar e económica
da Europa.
Com ele na Casa Branca, os Estados Unidos gozam o maior ciclo
de prosperidade económica em muitas décadas - à
luz das estatísticas e das contas bancárias dos
homens e mulheres de negócios. E os trabalhadores norte-americanos
vivem o maior ciclo de insegurança de emprego (apresentada
como pleno emprego) e de abolição de direitos sociais.
Situação que se universaliza à velocidade
dos ventos dominantes.
Com ele na Casa Branca, o Partido Democrático tornou-se
gémeo do Partido Republicano, fundindo a "esquerda"
com a "direita" no forno da tecnocracia; os partidos
sociais democratas, socialistas e até alguns ex-comunistas
de todo o mundo seguiram caminho similar num impressionante assalto
ao "centro", ninho de todas as virtudes e do vácuo
de ideias.
William Clinton ganhou um lugar na História. Merece-o:
representou muito bem o papel reservado hoje ao presidente dos
Estados Unidos da América.
*Beira IN / AAUBI
|