José Geraldes* |
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"Big Brother":
o "zoo
humano" da televisão
A partir de 4 de Setembro próximo,
as televisões portuguesas vão travar uma luta cerrada
na conquista pelas audiências. Mas não pelas melhores
razões. Com efeito, a emissão do concurso "Big
Brother" (Grande Irmão) pela TVI é um contributo
a mais um nivelamento por baixo da programação
televisiva. Produzido pela Endemol, passou já em televisões
da Holanda, Alemanha, Espanha e Estados Unidos, no meio de polémica
invulgar.
Revistas e jornais de referência dedicaram-lhe espaços
nobres. O El País titulou significativamente a sua reportagem:
"Zoo humano". E a Time, na sua edição
americana, pô-lo na capa como assunto principal.
Porquê todo este interesse? O concurso cujo nome é
copiado do célebre livro 1984 de George Orwell onde o
autor antecipa uma sociedade vigiada pelo "Big Brother""
consiste em observar toda a vida quotidiana, dia e noite, de
cinco homens e cinco mulheres durante quatro meses numa casa
praticamente selada. 26 câmaras de televisão "vigiam"
os actos mais íntimos. A resistência física
e psicológica dos concorrentes é posta à
prova e o que fica até ao fimganha um prémio de
20 mil contos.
Os espectadores podem ver em directo todas as "intimidades"
diárias, desde cenas mais chocantes a gestos triviais.
Claro que o "Big Brother" tem precedentes na Internet.
É conhecido o caso da jovem estudante americana que, em
1996, pôs câmaras em casa e passou a mostrar a sua
vida durante as 24 horas do dia, num "site" próprio.
Com o concurso "Big Brother" chega a chamada TVV (Televisão
Voyeurista). A privacidade desaparece e passa a ser objecto de
espectáculo e entretenimento para o canal televisivo aumentar
as audiências. É a emoção explorada
ao máximo no mínimo respeito pela dignidade humana.
O presidente da associação espanhola de telespectadores
bem o sublinhou quando fez a acusação de que "os
produtores querem apenas oferecer cenas de cama e gente sentada
na retrete". E Otto Schily, ministro do Interior na Alemanha,
considerou que a exibição do "Big Brother"
viola claramente a Constituição no que toca à
protecção da dignidade do ser humano". E como
compreender a explicação do canal televisisvo espanhol
que emitiu o Gran Hermano, de que não haveria "abuso
das câmaras na sanita a menos que tivessem carga informativa"?
Onde está a ética? Onde pára a deontologia?
E que confusão se faz entre o que é informação
e o que não é? Ou seja, para aumentar as audiências
vale tudo. Razão tem António Barreto em comentário
recente: "Os desgraçados que se excitam com os "peep
shows" e a degradação dos outros merecem indiferença.
Os palermas que se oferecem em espectáculo merecem, no
máximo, a compaixão. Mas os tolos que organizam
tudo isto e lhe tentam dar lustro merecem desprezo".
Que ganha a sociedade com um programa deste jaez? O aviltamento
de si própria? O concurso em questão não
a enaltece. Nem a dignifica. Há sempre quem goste de se
intrometer na privacidade dos outros. Mas não é
isso falta de respeito pelo outro?
A TVI, através do seu director de relações
externas, já veio dizer que "não vão
ser exibidas imagens desagradáveis ou chocantes para as
pessoas que lá vão viver como para aquelas que
as vão observar no ecrã". Mas o director da
TVI ao falar da apresentadora considerou-a como "a pessoa
que não tem medo de dizer o que pensa (...) e de contar
todas as cenas que vê sem ter receio de o fazer".
Adivinha-se o que vai acontecer.
Não se trata de, ao abordarmos o concurso nesta perspectiva,
de instauração de qualquer tipo de censura, felizmente
desaparecida. Mas a procura de audiências não justifica
um programa destes.
Os produtores têm responsabilidade para com o público.
Que as assumam, pois. E os telespectadores, sem qualquer intuito
de moralização beata, que se comportem com sentido
crítico activo. Basta de telelixo!
*NC / Urbi et Orbi |