José Geraldes* |
|
O III Quadro
Comunitário de Apoio
e o sucesso da Irlanda
"Não teremos outra
oportunidade". Quem o diz é a ministra do Planeamento,
Elisa Ferreira, a propósito do III QCA (Quadro Comunitário
de Apoio) a vigorar até ao ano 2006. Com o alargamento
aos países de Leste da União Europeia, a possibilidade
de Portugal obter mais fundos comunitários é problemática.
Estes seis anos vão ser vitais para o País. Não
se pode perder tempo na aplicação dos milhões
de Bruxelas nem os projectos aprovados sofrerem qualquer tipo
de adiamento. Daí a execução dos programas
ser avaliada de três em três meses e, em 2002, haver
uma espécie de exame global do que se fez. A razão
é simples. As novas regras ditam que os faltosos na concretização
dos investimentos terão de devolver o dinheiro à
EU, a favor da sua aplicação noutros países.
Mas desapareçam as ilusões e sejamos realistas.
A ministra tem consciência do facto quando afirma que "em
2006, Portugal não vai passar a ser um país rico
dentro da Europa". Aliás, os dados recentemente vindos
a público colocam-nos, em vários sectores, atrás
da própria Grécia e apontam para que só
daqui, pelo menos a 30 anos, estejamos ao nível da média
da Europa.
Há números assustadores
que podem hipotecar o nosso futuro. E os portugueses já
começam a sentir na pela, com o aumento das taxas de juro
e o endividamento excessivo, o fim do tempo das "vacas gordas".
Como compreender que Portugal foi o país da União
Europeia que produziu menor riqueza em 1999? Em termos práticos:
em média, cada cidadão europeu criou riqueza calculada
em 4232 contos. O português criou apenas 2089 contos. O
crescimento ficou em 2,9 contra 8,3 da Irlanda, 3,7 da Espanha
e 3,5 da Grécia. E não é em seis anos que
vamos recuperar o tempo perdido. Portugal vai receber quase dez
mil milhões de contos deste III QCA, para aplicar em 19
programas que contemplam todas as áreas de desenvolvimento:
educação, emprego, ciência, sociedade da
informação, saúde, cultura, agricultura,
ambiente, transportes e acessibilidades. Estas áreas estão
incluídas em programas específicos, como os do
emprego, formação e desenvolvimento social da economia
e dos Fundos de Orientação e Garantia Agrícola
(FEOGA) e o Fundo de Coesão.
É de salientar a promoção do desenvolvimento
social com a aplicação de verbas em iniciativas
para os desempregados de longa duração, rendimento
mínimo garantido e a formação ao longo da
vida. Os jovens estão na prioridade da qualificação
através dos estágios profissionais e criação
de emprego em base local.
Importa estarmos atentos à dotação para
os programas dos municípios - são 633 milhões
de contos - e às "acções integradas
e base territorial". Será que nesta designação
se encontram as ZLP (Zonas de Localização Prioritária)?
Se não forem agora criadas, bem se pode rezar-lhes pela
alma.
O III QCA surge como um desafio
para um passo em frente no desenvolvimento do País? Seremos
capazes de o enfrentar com êxito? Fala-se muito do "segredo
do tigre", ou seja, do caso da Irlanda. Qual foi a base
do seu sucesso?
Paulo de Almeida Sande, especialista de temas europeus, resumia
há tempos o sucesso irlandês no acordo social a
que aderiu toda a sociedade. Depois de uma crise, em 1980, o
Conselho Nacional Económico e Social, composto por todos
os parceiros sociais, adoptou uma estratégia comum. Estratégia
de que resultou um programa de recuperação nacional
com a vinculação do governo, da oposição
e parceiros sociais. A prioridade foi o investimento na educação
com o máximo de especialização, "num
contexto de flexibilidade no mercado de trabalho". O acordo
social privilegiou, em primeiro lugar, os sectores relacionados
com a economia e com os computadores, indústria farmacêutica
e um estímulo ao investimento directo estrangeiro. As
infra-estruturas ficaram em segundo plano. Em 1973, quando a
Irlanda aderiu à então CEE (Comunidade Económica
Europeia) tinha um PIB (Produto Interno Bruto) per capita de
58 por cento da média comunitária. Em 1999, chegou
aos 111 por cento.
O sucesso irlandês baseou-se na reforma das estruturas
industriais obsoletas. Na diminuição dos impostos.
Na valoração das novas tecnologias. Nós,
por cá, começamos ao contrário. Claro que
não se põe em causa as infra-estruturas. Mas só
agora é que se quer apostar nas novas tecnologias. E ainda
há quem resista às reformas da indústria.
Sem mudança de mentalidades, não há verbas
de Quadros Comunitários de Apoio que nos salvem.
Ponto de referência: na
Irlanda, todas as forças sociais tiveram coragem de se
porem de acordo e avançarem com uma estratégia
comum. Ou seja, aplicou-se o que agora se chama a "good-governance"
(boa governação). Isto é, o acordo social.
E conseguiram abdicar dos seus privilégios e de uma doença
portuguesa que se chama subsídio-dependência. Entre
nós, o que vemos é cada um lutar pelos interesses
do seu quintal..
É preciso que o Governo, oposição, parceiros
sociais olhem para o País, em termos globais. De outra
forma, mesmo como III QCA, em 2006, pouco teremos avançado.
Cada entidade assuma as suas responsabilidades no futuro de Portugal.
E esta é a "última oportunidade".
*NC / Urbi et Orbi |