Carlos Xistra
"Ninguém
quer ser árbitro"
POR ALEXANDRE S. SILVA*
FOTOS SÓNIA ALVES
O juiz covilhanense, consegue,
ao fim de oito anos, a promoção à I Categoria
Nacional. Manter-se e afirmar-se são os primeiros objectivos,
a Europa "logo se vê".
Notícias da Covilhã-
Que balanço faz da última época?
Carlos Xistra- Correu
bem. Aliás, depois de acabar em terceiro numa lista com
52 nomes, quando só cinco são promovidos, não
me posso queixar.
Há já três anos que ando a lutar para subir
à I Categoria. No primeiro ano passaram-se coisas estranhas
e no segundo tive que me sujeitar a operações a
duas hérnias. À terceira tinha que ser de vez.
NC- Foi jogador nas camadas
jovens do Sp. Covilhã e da ADE. Depois de já ter
sido advertido e, até, expulso, mudou-se para o outro
lado do apito. Essa fase de jogador foi importante para a sua
carreira enquanto árbitro?
C.X.- A minha passagem
pelo futebol como atleta foi crucial, pois permite-me saber como
se comportam os jogadores durante uma partida. Isso deixa-me
em vantagem à saída para um jogo.
Na minha opinião qualquer árbitro que já
tenha passado pela competição, como atleta, tem
mais hipóteses de singrar depois na arbitragem.
NC- Enquanto jogador, algum
dia pensou em tornar-se árbitro e chegar onde está
hoje?
C.X.- Nunca me passou
pela cabeça. Infelizmente só vem para a arbitragem
quem é puxado para ela. Ninguém diz: "Quero
ser árbitro". Só por influências de
familiares ou amigos é que somos apanhados.
Na época 1992/93 o Francisco Fernandes, que na altura
era árbitro da terceira categoria nacional, pegou em mim
e mais cinco rapazes lá do bairro e fomos tirar um curso
da Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB).
Só eu é que fiquei até ao fim.
NC- Qual o grau de dificuldade
de arbitrar nas categorias mais baixas?
C.X.- É muito
complicado. Principalmente em termos de formação
de todos os intervenientes que rodeiam o espectáculo,
sejam jogadores, treinadores, dirigentes ou o público.
Nas I e II Categorias o tipo de futebol é mais desenvolvido.
Os jogadores dão menos trabalho porque são mais
profissionais. Interessam-se mais em jogar futebol do que em
envolver-se em picardias, como acontece nos Distritais. Cada
vez dou mais valor a esses árbitros.
NC- Espera mais dificuldades
e responsabilidades na I Categoria?
C.X.- Naturalmente. Não
só porque estamos a ser observados pela comunicação
social, mas porque, fisicamente, os jogos são mais exigentes.
Os conhecimentos teóricos terão que ser forçosamente
muito maiores para corresponder às exigências que
nos colocam todos os domingos.
Ao nível da I Liga a maior parte dos clubes são
Sociedades Desportivas. Grupos económicos cujos lucros
dependem dos resultados. Nós, como intervenientes no jogo
e, às vezes, no marcador, temos que trabalhar muito para
que não nos associem a uma eventual crise de resultados
da equipa.
Eu sei que as dificuldades vão aumentar, mas a única
coisa que prometo é trabalho e dedicação
para estar pronto a responder às exigências.
Manutenção,
afirmação e luta pela Europa
NC- É o primeiro árbitro
da AF Castelo Branco a ascender à primeira categoria.
Acha que a interioridade pode afectar a carreira de um árbitro?
C.X.- Já ando
na arbitragem há oito anos e, se olhar à minha
própria progressão, não posso dizer que
isso seja uma realidade.
Acredito que o facto de estarmos afastados dos grandes centros
limite, de certo modo, a carreira de um árbitro, mas isso
não é o factor mais determinante.
NC- Qual é, então?
C.X.- O problema da arbitragem
é muito complicado. Em primeiro lugar temos que estar
diariamente atentos a todos os problemas do mundo da arbitragem.
Em segundo está o trabalho e a dedicação
que cada um põe na actividade.
Eu sou o primeiro crítico dos árbitros que militam
nos Distritais da AFCB. A grande maioria deles não se
dedicam o suficiente, ou porque não querem sair da região,
ou porque não têm objectivos. Logo, não podem
colher os frutos do trabalho que não produzem. Sei que
não é fácil, mas com um pouco mais de esforço
e interesse, esses árbitros poderiam progredir para outras
categorias.
NC- Com apenas 26 anos, quais
são os seus próximos objectivos?
C.X.- Isto funciona um
pouco como as próprias equipas de futebol, ou de outra
modalidade. Quando se sobe de categoria, o principal objectivo
é manter a posição. O que já não
vai ser fácil, uma vez que para o ano vão descer,
provavelmente, 10 árbitros, ao contrário dos cinco
de anos anteriores.
De qualquer modo estou apostado em dar o meu melhor todos os
domingos e lutar para algo mais que a manutenção.
Caso consiga afirmar-me na I Categoria o próximo passo
será, naturalmente, lutar pela Europa. Mas isso ainda
vai demorar muito.
"Em Portugal não
há protecção ao árbitro"
NC - Como classifica o estado
da arbitragem em Portugal?
C.X.-A nível nacional
a classe está a ficar mais credibilizada. Cada vez menos
o público pensa que o árbitro beneficia ou prejudica
qualquer equipa.
Por outro lado há dirigentes que, durante a semana, se
preocupam mais com o árbitro que vai dirigir o encontro
do que com a preparação da própria equipa.
NC - A passagem do Conselho
de Arbitragem para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional
foi benéfica?
C.X. - Desde que o futebol
começou a ser gerido pela Liga as coisas melhoraram consideravelmente.
Isto porque o Conselho de Arbitragem é constituído
por três ex-árbitros que têm mais sensibilidade
para os problemas inerentes à profissão.
Por outro lado, há a desvantagem de serem os clubes a
decidir o futuro da arbitragem.
NC - Acha que a arbitragem
se devia profissionalizar?
C.X. - Acho que seria
um passo muito importante e necessário para a credibilização
da classe.
O futebol é, agora, um negócio. Os clubes são
sociedades desportivas com interesses económicos. Torna-se
necessário que a arbitragem acompanhe esta evolução.
Um clube ou uma SAD não podem estar dependentes de uma
pessoa que, de segunda a sexta-feira, tem oito horas de trabalho
pela frente e tem mais duas de treino. O árbitro pode
até estar preparado para dirigir o jogo ao domingo, mas
é evidente que se tivesse mais tempo disponível
para se preparar durante a semana, quer em termos físicos,
psicológicos ou teóricos, o seu rendimento seria
bastante superior. Num jogo que envolve milhares de contos, o
desfecho pode estar dependente da única pessoa que, no
meio daquilo tudo, não é profissional.
NC - A nível interno
há muita contestação e desconfiança
em relação à profissão. No entanto,
no estrangeiro, a arbitragem portuguesa está bem cotada.
Vítor Pereira acabou por ser considerado um dos melhores
árbitros do Euro 2000.
C.X. - É verdade.
Mas isso não se deve ao facto do Vítor Pereira
arbitrar melhor no estrangeiro que em Portugal. Deve-se essencialmente
a uma protecção que a maior parte dos países
europeus fazem ao trabalho do árbitro.
Veja-se, por exemplo, no último Europeu, em que, por imposição
das federações holandesa e belga, os lances não
eram repetidos na televisão mais que duas ou três
vezes. Isto só é bom para a modalidade, uma vez
que os espectadores estão mais interessados no desenvolvimento
dos lances do que, propriamente, na decisão do árbitro.
NC - Mas não há
situações em que um mau julgamento do árbitro
influencia o resultado?
C.X. - O árbitro
é apenas um homem e erra como qualquer outro. Eu não
sou contra a análise de lances, até porque é
necessário confirmar se houve um erro ou não. Não
se pode é pôr em causa a integridade do árbitro.
Em Portugal persiste a mentalidade de que, quando um árbitro
erra, é de propósito. Os lances são comentados
até à exaustão durante semanas nos órgãos
de comunicação social e isso não abona nada
em favor do espectáculo. No entanto, acho que as coisas
estão a mudar, e as pessoas começam a acreditar
cada vez mais no árbitro. Tenho a esperança que
o Euro de 2004 dê a machadada final nesse tipo de preconceitos.
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