Valha-me Deuszzzz...
como diria o Cónego Remédios!
POR ÁLVARO DOMINGUES*
Ele não é que uns professores [ver notícia
do PÚBLICO de 27 de Junho, secção Educação,
referente à Escola Alberto Sampaio, em Braga] foram convidados
a sair da vigilância de umas provas por usarem, pasme-se,
sapatilhas, sandálias, bermudas e outros adereços
de conteúdo altamente sensual, erótico, vá-se
lá saber que outras coisas impróprias para a dignidade
de um funcionário público?!
Teremos necessidade de ir buscar um fundamentalista islâmico
para nos explicar melhor esta questão. Na minha escolinha,
todos andamos de bata cinzenta até ao tornozelo, embora
haja variações na roupa íntima.
A lista, devidamente afixada em lugar visível e que enviaremos
de imediato para a Escola Secundária Alberto Sampaio,
em Braga, inclui alguns devaneios como ligueiros pretos com cueca
vermelha, elásticos de fantasia para aguentar coturno
esticado até ao joelho, adereços de couro e cabeleira
vermelha. São permitidas tatuagens nas partes vergonhosas,
cabelos esticados, pigmentados e puxados do fundo da nuca para
a careca da frente à custa de doses abundantes de laca,
implantes em silicone, cabeleiras loiras armadas com mais de
meio metro de altura a contar da base do crânio, saia-e-casaco
azul-escuro com colarinho branco e pérolas, casaco de
trespasse com botões metálicos, vincos nas calças,
sapatos de verniz, meias brancas para cavalheiro e meia de vidro
preta com risca atrás, para as senhoras. Os sovacos devem
estar depilados, sempre que se use camisola de alça, embora
esta só possa ser de gola alta e decote acima dos limiares
da decência. Não se aceitam, no entanto, pernas
não depiladas para qualquer dos sexos, nem, muito menos,
mulheres com buço e homens com sobrancelha rapada. Pormenores.
A bata cinzenta não pode ter mais que quatro rachas, uma
à frente, outra atrás e uma de cada lado, respectivamente.
Em nenhum caso se permite que qualquer uma das rachas ultrapasse
o umbigo, o mesmo se aplicando ao limite inferior do decote.
As batas sem costas só são permitidas se o docente
caminhar sempre de frente e encostado às paredes. Qualquer
tipo de flatulência, ainda que discreta e inodora, é
severamente punida, o mesmo se aplicando ao assobio, à
fungadela, à troca dos "rr" pelos "gg",
às expressões "é assim", "pronto"
e "está tudo?".
Estas limitações, embora ausentes no regulamento
e nos guiões utilizados pelos inspectores sobre a forma
como deve trajar um professor que vai vigiar provas, foram aprovadas
em reunião do Conselho Executivo, ouvida a irmã
Lúcia, consultado o conteúdo do terceiro segredo,
que apenas refere vestes brancas e é omisso quanto a pormenores
estilísticos, e observado o comportamento comum das pessoas
que vão para a praia. A Inspecção-Geral
de Educação não nos comunicou nenhuma ocorrência
anómala resultante da aplicação deste regulamento,
aguardando-se ainda a opinião do vice-presidente do Conselho
Executivo da Alberto Sampaio sobre o facto de estes assuntos
serem resolvidos interna ou publicamente.
Uma visita pelas igrejas de Braga revelou, no entanto, a presença
profusa de Cristos praticamente nus, em poses sensuais (sobretudo
os barrocos), com corpos que, mais do que o sofrimento resultante
da circunstância, revelavam um conteúdo altamente
sensual. Consultadas as Escrituras, observou-se a referência
frequente a sandálias, ao facto de algumas figuras de
referência usarem apenas uma simples cobertura de pele
de carneiro e pouco mais. Em nenhum dos Evangelhos consultados
se faz referência a estes factos como situações
pontuais de ida à praia, vigilância de exames, dignidade
de funcionários públicos ou questões de
decência. As sapatilhas não aparecem referenciadas
em nenhum caso.
Por questões de zelo, ou não sejam as igrejas lugares
mais respeitáveis do que as nossas instalações
de ensino, propomos a retirada dos Cristos ou o seu envolvimento
por abundantes panejamentos roxos, por exemplo. Pelas mesmas
razões, condenamos o recente restauro do tecto da Capela
Sistina, onde voltaram a figurar as originais partes pudibundas
pintadas por um artista que devia, pelo menos, vestir as respeitáveis
figuras com umas calças pelo meio da perna. Isto já
sem falar da ignóbil ausência de sandálias,
embora os pés se apresentem perfeitos, sem qualquer indício
de calosidades, unhas encravadas e pé de atleta.
Estamos esclarecidos?
* IN "PÚBLICO"
DE 5 DE JULHO DE 2000 |