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um Filme          



                             Aura
        
encanto silencioso

por luís nogueira

 


Podíamos começar por duas perguntas: quem é M. Butterfly, no filme de Cronenberg? E quem é o seu amante? "M. Butterfly", o filme, conta-nos a história de um amor sem medida. Um amor que vai muito além do corpo, sem contudo se libertar dele. Se quisermos dizer de outra maneira, pode ser assim: Gallimard é um diplomata francês em Pequim que se apaixona por uma diva da ópera chinesa. Isto é a constatação mais objectiva possível dos factos. Mas a verdade é outra, bem mais subtil e luminosa - e, contudo, extremamente obscura: Gallimard apaixonou-se por uma aura.
O que é essa aura? Não se pode dizer. A aura é etérea, como as almas, como os sorrisos, como as seduções. Não lhes podem fazer justiça as palavras. Não são simplesmente belas, pois são impalpáveis, são um movimento, um enigma, um brilho. Entram nos espíritos que por elas se apaixonam em silêncio, anonimamente. Elas podem emanar de um corpo, até habitá-lo. Mas esse corpo, como neste filme, já é mais que carne, já não tem género nem peso. M. Butterfly, a diva, é uma silhueta, a silhueta da mulher perfeita, carnalmente, sensualmente, fantasmagoricamente. E, contudo, não é mulher. É enigma.
É esse enigma que há-de arrastar Gallimard para fora da realidade. Não se pode chamar ilusão a essa fuga, porque vivida com tal intensidade essa paixão só pode ser real. É o enigma sempre em aberto, indecifrável, que o irá conduzir à perdição. De certa forma, pode ver-se aqui uma variante do enigma oriental, esse fascínio quase lascivo que nos atrai e não nos despega.
Mesmo quando perde a amante, Gallimard conserva a sua silhueta. Não mais se libertará dela, da sua aura, dos seus perfumes e gestos. Há algo de onírico e surreal no seu amor louco: será a beleza fulgurante da loucura, aquela que confina com a morte? Será a absoluta sinceridade do seu amor? Será a ingenuidade de todo o amante despojado?
Será que o caminho para a morte é, neste caso, feito de mágoa? Serão as feridas que se abrem consequência de uma dor infeliz? Ou serão, antes, os sinais de uma disponibilidade absoluta para sentir, para nunca abdicar de sentir, para teimar em sentir, mesmo que a dor venha não só de uma perda, como de uma mentira insuportável, de uma traição sem nome?
Sobre os afectos e suas profundidades, sobre os corpos e suas magias, sobre os sonhos e seus apagamentos fala este filme. Com perguntas e inquietações, como muito poucos outros ...
 

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