Quando a licenciatura já
não é o que era
Primeiro emprego
POR CATARINA MOURA
No final de mais um ano
lectivo, são muitos os estudantes que deixam de o ser.
Terminar um curso significa, entre outras coisas, enfrentar o
desafio de procurar o primeiro emprego. E se há pouco
mais de duas décadas um canudo bastava para assegurar
uma colocação, actualmente a licenciatura é
um valor em queda, sobretudo em áreas do mercado que cada
vez se revelam mais saturadas.
Para Sofia Sá e Moura,
finalista de Sociologia, acabar o curso "é uma sensação
muito esquisita. Dá um bocado de medo, até porque
não sinto que o curso me tenha dado grande preparação
para a etapa que se segue". Planeava enviar currículos
quando surgiu a oportunidade de concorrer a um estágio
do programa PRODEP III, e agora está a aguardar resposta
a essa candidatura. Quanto às perspectivas de emprego
na sua área, admite que já foram mais. "O
ano passado, por esta altura, havia muito mais pedidos na universidade".
Consciente de ter tirado um curso numa área que se vai
revelando progressivamente mais saturada, Sofia desabafa: "se
soubesse o que sei hoje, tinha tirado uma engenharia qualquer.
Eles não têm que passar por entrevistas e estágios
atrás de estágios, são logo aceites e têm
muito mais vagas e oportunidade de escolher a que mais agradar".
Isabel Neves, finalista de Engenharia
Têxtil, tem consciência da sua posição
privilegiada. A procura para o seu curso é elevada, e
são poucos os que estão a acabar agora, pelo que
dificilmente terá problemas em encontrar emprego. "Não
estou muito preocupada", admite. Sem pressas, já
se inscreveu no Centro de Estágios da Universidade da
Beira Interior, e tem comprado jornais, para ver o que aparece.
O passo seguinte é mandar currículos e auto-propostas.
O seu objectivo é ficar numa fábrica de confecção
do Norte, onde gostaria de fazer carreira. A muito anunciada
crise dos têxteis portugueses não a assusta porque
acredita que as empresas já sabem o que têm que
fazer para a evitar. "Claro que nada é seguro. Nem
definitivo. Mas por enquanto não me preocupo muito com
isso".
Cristina Lopes é finalista
de Ciências da Comunicação e já procura
emprego há um ano. Admite que a procura não tem
sido exaustiva, pois não tendo ainda terminado o curso
pretendia apenas encontrar um part-time ou um estágio
que lhe desse alguma experiência. Começou por procurar
empresas na área da Publicidade nas Páginas Amarelas
e depois enviou-lhes auto-propostas. Acabou a estagiar durante
três meses numa agência de comunicação
sediada na Covilhã, mas como não estava a fazer
o que realmente gostava saiu. "Um ano depois... continuo
à procura mas já tenho alguma experiência
e isso ajuda. Além disso, tenho consciência de que,
como só tenho procurado no Interior, isso reduz muito
as minhas oportunidades, tendo em conta a área que escolhi".
Embora reconheça que este tempo lhe trouxe mais certezas
relativamente ao que pretende fazer, Cristina admite que não
pensava ser tão difícil encontrar um primeiro emprego.
"Propus estágios não remunerados e nem assim
obtive resposta", conclui.
Todos os anos, centenas de alunos recorrem ao CEDR
em busca de estágio
Canudo sem peso
Encontrar o primeiro emprego
é uma missão difícil. As vagas existentes
requerem um perfil específico, necessário para
facilitar o processo de filtragem e escolha, e serão poucos
a corresponder ao que é esperado. Por outro lado, não
ter experiência é cada vez mais um handycap,
que só pode ser superado através de uma formação
complementar e variada. Esta formação "de
banda larga" vai sendo progressivamente valorizada pelas
empresas, compensando o peso decrescente da licenciatura. Uma
pessoa que saiba muito àcerca de um assunto mas se revele
incapaz de apresentar um projecto ou trabalhar em equipa torna-se
desinteressante, e muitos atribuem essa insuficiência à
rigidez de conteúdos dos cursos do Ensino Superior e à
ausência de ligação entre o mundo universitário
e o mundo das empresas. No entanto, há quem defenda que
à universidade cabe o desenvolvimento da capacidade de
raciocínio e a criação de hábitos
de trabalho, ficando posteriormente a cargo das empresas o desenvolvimento
da capacidade de comunicação e liderança.
Questionado sobre as áreas fortes da Universidade da Beira
Interior, Ricardo Serra, do Gabinete de Estágios e Saídas
Profissionais, declara que são "Gestão e as
engenharias, excepto Aeronáutica". "Actualmente
o mercado tem excesso de licenciados nas Ciências Sociais
e Humanas", continua, salvaguardando no entanto que Gestão
é uma excepção dentro desse universo saturado.
"Qualquer estatística revela que as carências
estão nas engenharias, na informática e na saúde,
e isso reflecte-se também nos pedidos que nos chegam",
refere.
Actualmente, é mais fácil um carpinteiro
encontrar emprego que um licenciado
Áreas saturadas não
assustam jovens
Entre 1998 e 1999, o número
de licenciados desempregados aumentou 17,4 por cento, segundo
dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Por
outro lado, de acordo com o Instituto do Emprego e da Formação
Profissional (IEFP), em 1999 o número de pessoas à
procura de emprego diminuiu em todos os sectores excepto dois:
no de idade superior a 55 anos e no dos recém-licenciados
de cursos mais saturados.
Actualmente, é mais fácil a um carpinteiro encontrar
colocação que a um licenciado. Isso revela-nos
uma situação socioeconómica invulgar e completamente
antagónica ao que se vivia há pouco mais de duas
décadas atrás em Portugal. A sobrevalorização
da formação superior levou ao excesso de quadros
superiores e à falta de quadros médios e baixos.
A existência de áreas ditas "entupidas"
e a necessidade de que a escolha de um curso seja uma decisão
cada vez mais consequente levou o Ministério da Educação
e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade a criar
o Sistema de Observação de Percursos de Inserção
dos Diplomados do Ensino Superior (ODES). A importância
deste observatório vai no sentido de mostrar às
pessoas quais as tendências do mercado de trabalho, ajudando-as
nas suas opções.
No entanto, todos os anos centenas de jovens insistem em formar-se
em áreas ditas saturadas e sem qualquer garantia de emprego
no final do curso. Jovens que teimam em seguir uma vocação
em vez de se adaptarem aos ditames economicistas do mercado de
trabalho.
AAUBI guia finalistas
A
Associação Académica da Beira Interior (AAUBI)
lançou recentemente o "Guia do Finalista", um
pequeno livro que pretende dotar os estudantes que agora terminam
o curso das bases necessárias à procura de um primeiro
emprego.
Neste guia, distribuído gratuitamente, o finalista pode
encontrar sugestões e técnicas de procura de emprego,
saber onde procurar informação, os contactos que
pode e deve estabelecer, como redigir um currículo e uma
carta de apresentação e as ocasiões a que
deve adaptar os diversos formatos existentes. Uma iniciativa
que pretende relembrar à comunidade estudantil que a AAUBI
está aí para ajudar. |
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