Cinema King apresenta
Trier por inteiro
POR PEDRO HOMERO
A Medeia Filmes apresenta
ao público português uma oportunidade rara: a filmografia
completa (longas metragens) de um dos mais aclamados realizadores
europeus da actualidade, o dinamarquês Lars von Trier.
As obras serão apresentadas em várias cidades do
país, começando por Lisboa. O ciclo chama-se Lars
von Trier integral e decorre no cinema King, de 16 de Junho
a 27 de Julho.
Lars Trier (o von foi
acrescentado pelos colegas do curso de cinema) começou
cedo o seu trabalho cinematográfico. Para além
das experiências pré e intra-universitárias,
von Trier cedo se notabilizou como um nome a ter em conta. A
sua primeira curta-metragem oficial, 'Nocturne', revela desde
logo um sentido plástico e um domínio da cor e
da textura da imagem que caracteriza toda a sua obra. As primeiras
longas metragens, 'O Elemento do Crime' (1982) e 'Epidemia' (1984)
contêm já a força e a determinação
de um autor que sabe especificamente aquilo que pretende mostrar
e como o fazer. N'O Elemento do Crime, o universo de von Trier
é criado de raiz, tanto a níveis meteorológicos
e geográficos, como também a nível psicológico
e social: as relações entre as personagens decorrem
da relação estreita entre elas e o meio, e nisso
vai centrar o realizador a consistência da sua obra. Posteriormente,
e através de um fundo do Dansk Film Institut, von Trier
consegue passar para película a sua série de televisão
'Riget', O Reino, que passou entre nós em cinema, inclusive
na Covilhã. Neste filme de 4 horas (compacto de série
de televisão) solidifica-se a criação do
universo atrás referido ao ponto de a própria fotografia
do filme ser facilmente reconhecida como a 'cor à Lars
von Trier' - um mundo amarelo torrado, com uma atmosfera insalubre,
onde os miasmas da superstição fazem ruir os alicerces
da racionalidade num hospital dinamarquês. A sequela (isto
é, os 4 episódios seguintes, gravados em 1997)
completam a história do hospital e das suas personagens.
Planeta Europa
O eurocepticismo deste realizador
Dinamarquês está presente desde O Elemento do Crime,
thriller psicológico onde a Europa é tida como
um só país, mas apresenta-se plenamente no filme
com esse mesmo nome, Europa, de uma forma singular. A personagem
principal, um jovem americano nascido na Alemanha, retorna à
terra natal para ajudar à sua reconstrução
do pós-guerra, acabando por se embrenhar numa epifânia
simultaneamente individual (em que se conhece a si próprio)
e colectiva, de um estado/nação/continente à
deriva. A consciência de ser europeu acaba também
por ser analisada, se bem que não constitua o fulcro,
nas suas obras posteriores.
A câmara às costas
Von Trier redescobre a criação
cinematográfica, e fá-lo como se pertencesse a
uma 'nova-nova-vaga' que redefine regras e reduz as possibilidades
de modo a ir mais longe com menos meios. Após o belíssimo
Ondas de Paixão, Grande Prémio do Júri em
Cannes 96, que fez render quase todas as vozes discordantes,
von Trier procura, com o seu amigo Thomas Vintenberg, a redefinição
atrás referida, uma tábua de lei que condicione
a criação da obra, tornando-a mais pura e verdadeira.
Nasce assim o Dogma 95, um conjunto de regras e uma corrente
cinematográfica que, através de limitações
técnicas rigorosas (até ascetas, dir-se-ia), faz
recair novamente a tónica naquilo que se passa à
nossa frente, na tela do écran, e não no modo como
se modifica essas imagens e sons recolhidos.
Os Idiotas, o 2º filme a receber o Certificado do Dogma
95 (o primeiro é A Festa, de Thomas Vintenberg), leva
o espectador a situações limite, quase que de modo
documental, mas com uma violência muito maior, revelando-se
a falta de efeitos especiais e de adereços apenas a face
visível desta hiperrealidade consumada no filme. A acompanhar
este ciclo poder-se-á assistir também ao documentário
'O Humilhado', de Jesper Jargil, filmado durante a rodagem d'Os
Idiotas e que, de acordo com a informação da Medeia
Filmes, revela facetas desconhecidas deste realizador.
PROGRAMA
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