Linha da Beira Baixa
"À velocidade
de 1892"
POR RAQUEL FRAGATA
Às
14 horas e 35 minutos a automotora parte da estação
da
Covilhã. Depois de 75 minutos, e apenas 46 quilómetros
e trezentos metros de linha percorridos, chega finalmente ao
seu destino, a cidade da Guarda. "À velocidade de
1892." A Câmara Municipal da Covilhã organizou,
no dia 12, segunda feira, uma viagem de reconhecimento do troço
Covilhã-Guarda da Linha da Beira Baixa, para concluir
que algo não está bem na ligação
ferroviária entre as duas cidades.
A viagem serviu para
relembrar o estado degradado em que se encontra o troço
Covilhã-Guarda e reforçar a importância do
comboio como meio de transporte para muitas populações
entre as duas mais importantes cidades da Beira Interior. Inaugurada
a 6 de Setembro de 1892, a Linha da Beira Baixa continua a dispor,
ao fim de mais de cem anos, das mesmas infra-estruturas (carris
e travessas), e a automotora utilizada presentemente data de
1954. Quando entrou ao serviço era o Alfa da Beira Baixa,
mas os tempos mudaram.
A lentidão e a desarticulação de horários
com os comboios da Beira Alta, que ligam Vilar Formoso a Lisboa
e ao Porto, são os principais motivos da falta de utentes
daquela linha. Algumas das estações que servem
pequenas aldeias e vilas da Serra da Estrela estão degradadas
e denotam abandono. Para Hélder Bonifácio, presidente
do "6 de Setembro"- Grupo de Amigos do Caminho de Ferro
da Beira Baixa, a 'bola de neve' forma-se em três frentes:
qualidade deficitária do transporte, maus horários
e poucos passageiros. A solução passaria, na sua
opinião, pela ligação na Guarda a comboios
para o Norte e para o Litoral, servindo como transporte alternativo
ao rodoviário.
Modernizar ou morrer
Qual o futuro da linha Beira
Baixa, foi a questão que o autarca covilhanense quis colocar
e que transmitiu, no dia seguinte ao da viagem, ao primeiro-ministro
António Guterres, aquando da sua presença na Universidade
da Beira Interior, a 13 de Junho.
Segundo o "6 de Setembro" a visão pitoresca
e turística desta linha não pode ser solução
para a sua viabilidade. "O Caminho de Ferro tem que servir
em termos actuais, não podem haver contemplações
desse tipo", afirmam. E defendem que sem modernização,
o encerramento será inevitável.
As obras de melhoramentos da via férrea a decorrer vão
chegar até Vale de Prazeres, e depois de concluídas
a viagem entre Castelo Branco e a Covilhã vai demorar
menos 15 minutos. Estas obras de modernização não
abrangem na primeira fase o percurso Covilhã-Guarda. Mas
António Guterres, durante a visita à Universidade
da Beira Interior, no dia 13, garantiu que posteriormente também
este troço será melhorado.
Hélder Bonifácio tem uma visão diferente
sobre as obras em curso na Linha da Beira Baixa. Para os "Amigos
do Caminho de Ferro" a electrificação é
um mito que só resolve o problema se também a via
for melhorada. "A dita modernização da Beira
Baixa é uma situação muito dúbia.
O comboio anda depressa se a linha estiver apta a andar depressa.
Não é por estar electrificada. A electrificação
deve ser feita mas noutros parâmetros, aqui tem que se
renovar a via, os carris, para grandes velocidades", contrapõe.
Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã, reforça
o descontentamento das populações das duas cidades
e denuncia que esta situação é um reflexo
das desigualdades entre o Interior e o Litoral.
Para o edil o discurso sobre o desenvolvimento regional "é
uma farsa". As críticas dirigiram-se ao Governo Socialista
que, segundo o autarca, tem continuado a promoção
de "um País a duas velocidades". "Estas
duas cidades polarizam mais de 250 mil pessoas, com um pulsar
económico, industrial, agrícola e comercial importantíssimo.
Estamos a iniciar um período em que se vão gastar
mais de 15 mil milhões de contos no País, provenientes
de verbas da Comunidade Europeia, e nem só um escudo está
destinado para esta Linha. Não aceitamos esta situação",
critica. Carlos Pinto recusa o calendário da REFER que
prevê que "as obras chegarão à Covilhã
em 2010" e promete exigir ao Governo um plano de investimentos
para o troço Covilhã-Guarda.
Carmo Borges contra Carlos Pinto
A presidente da Câmara da Guarda, Maria do Carmo Borges,
criticou a atitude do seu homólogo da Covilhã,
Carlos Pinto, que, na segunda-feira, 12, criticou o estado em
que se encontra o troço ferroviário da linha da
Beira Baixa, entre as duas cidades beirãs.
O autarca covilhanense, que fez aquele percurso de comboio (ver
página 5), insurgiu-se contra a falta de investimentos
na referida via, e classifica a situação de "escândalo
nacional". "O direito à indignação,
à revolta e, também, ao protesto justificam esta
acção", explica Pinto. Maria do Carmo Borges,
em declarações à Rádio Altitude (RA),
comenta, por sua vez, que a "metodologia utilizada"
pelo presidente da Câmara da Covilhã é, no
mínimo, deselegante". Isto porque, ainda nas palavras
da autarca, não transmite a quem está na Câmara
guardense "aquilo a que realmente se propunha".
Carmo Borges recorda que, aquando da sua permanência na
Assembleia da República, conjuntamente com o deputado
Carlos Santos (PS) e outros deputados, foi apresentada uma proposta
de alteração ao PIDDAC. "Alteração
que envolvia um milhão de contos para a linha da Beira
Baixa, na ligação entre a Covilhã e a Guarda",
sublinha. De acordo com a presidente, "aparecia no primeiro
PIDDAC uma verba de 350 mil contos para dar resposta à
recuperação da estação da Guarda".
Facto que motivou uma proposta dos deputados socialistas para
o aumento desse financiamento. "Curiosamente, ou não,
os deputados do PSD votaram contra", acentua Maria do Carmo
Borges.
NC / Urbi et Orbi
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