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José Geraldes*


Acordem

A apatia está a apoderar-se do País. O "deixa-andar" é a expressão que se ouve, aqui e ali. O comodismo instala-se a olhos vistos. Ninguém assume responsabilidades e, o que importa, resume-se ao recebimento do ordenado ao fim do mês. Problemas? "Isso não é comigo".
A gravidade da questão assume ainda dimensões maiores quando se trata de participação em actos importantes da Comunidade. E quem sofre é evidentemente a democracia. Fugir aos problemas e deixar de exercer a cidadania a que temos direito, antecipa a doença das instituições e da sociedade.
A tendência para delegar nos outros a resolução de questões vitais cresce assustadoramente. Veja-se o índice de participação em reuniões locais da mais variada ordem para se concluir do afastamento dos problemas. E isto também se verifica a nível sindical, escolar e similares.
O facto da grande expressão mediática à contestação das resoluções governamentais da co-incineração não invalida a afirmação. A tempestade vai acalmar e uma solução, neste capítulo, impõe-se sem demoras para a saúde de todos nós.
Cada vez mais se torna imprescindível a educação cívica. No documento da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) intitulado Igreja na Sociedade Democrática e divulgado a 15 de Maio passado via internet pode ler-se: "A participação política torna-se mais natural se se der atenção peculiar à educação cívica, nas famílias, nas escolas, nas associações juvenis". A propósito, a CEP justifica a afirmação com uma citação do Vaticano II: "Para que todos os cidadãos possam exercer o seu papel na vida da comunidade política, deve dar-se uma grande atenção à educação cívica. Ela é, hoje, particularmente necessária, tanto para o conjunto dos povos, como, sobretudo, para os jovens. Aqueles que são ou podem vir a ser, capazes de exercer a arte difícil, mas nobre, da política devem preparar-se para isso. Devem entregar-se a ela com zelo, sem se preocuparem com o seu interesse pessoal ou com vantagens materiais".
A educação cívica revitaliza a democracia. Dá-lhe um "suplemento de alma" como dizia Bergson sobre o estado do mundo do seu tempo. Mas não é com frases para decorar que as novas gerações aprendem a educação cívica. A participação, de mãos dadas com os saberes fundamentais, em acções quotidianas comunitárias indica o caminho pedagógico mais eficaz. E a escola aqui ocupa um lugar preponderante.
Para além das aulas ou de uma disciplina específica que tem o seu cabimento, as intervenções no terreno tornam-se indispensáveis. A começar logo por volta dos sete anos de idade.
A criança começa a despertar para os valores. E a envolver-se em acontecimentos a que dará a importância devida.
A influência da televisão leva os cidadãos a viver emocionalmente muitos acontecimentos como espectáculos. Daí uma fuga das realidades concretas. Ou então como assinala o filósofo Popper, a televisão ser "ladra do tempo". E lá vem a desculpa da falta do tempo e a indisponibilidade para a acção cívica que cria novas exigências.
Qualquer um de nós tem obrigação de deixar um rasto na sua vida para os vindouros. O velho ditado diz que, para viver uma vida, é preciso ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Sem ter um filho, escrever um livro ou plantar uma árvore, um homem cumpre o destino a que é chamado. Basta deixar valores perenes à semelhança dos santos e grandes homens da História.
Viver no conformismo é uma janela para vazio. E a natureza tem horror ao vazio, segundo as leis científicas. Logo impõe-se preencher este vazio.
Acordemos do torpor que nos invade. De outra forma, - escreve o nosso Eduardo Lourenço - "vamos para o séc. XXI em carruagem-cama, indiferentes às tragédias do mundo e às nossas próprias. Os problemas caem-nos em casa já resolvidos. É o mundo que tem problemas, mas nós".
É possível lutar contra a apatia. Ser interveniente. Mudar o rumo das coisas. E desenvolver uma espiral de participação social. Sempre haverá problemas. Haja imaginação para os resolver.
Na promoção da educação cívica. E no dar dignidade à política.

*NC / Urbi et Orbi






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