Deixai vir a
mim [a mesada
d]as criancinhas
Talvez por causa da esclerose e do avançar do tempo, estarei
a perder a capacidade infantil de me maravilhar com o mundo.
Talvez devido às leituras herméticas a que me tenho
dedicado, esteja a assassinar "a criança que vive
dentro de mim". Talvez seja por isso, ou por qualquer outra
razão. Mas que não consigo achar piada nenhuma
aos Pokémones, isso não consigo.
Já tentei. A sério: visionei a cassete com as aventuras
do Ash à caça dos Pokémones, tentei perceber
a taxonomia dos monstrinhos de bolso que a Nintendo nos anda
a impingir. Li os cartões (750 mérreis a carteira
de 3 - e tanto quanto parece, são mais de 150...). O filme
em versão-cinema, as t-shirts, sapatilhas, porta-chaves
e a restante parafrenália do merchandising está
aí, a segunda cassete tem o lançamento marcado,
etc., etc. Tudo by the book, como reza no Publicitor e no Mercator.
Mas continuo sem perceber onde está o encanto da coisa.
Já tentei explicações particulares com a
minha filha (adepta convicta do fenómeno) que me tentou
dar um curso intensivo e acelerado sobre o assunto, mas nada.
Devo estar mesmo a ficar burro. E velho.
As únicas coisas que consegui
apanhar no guião: 1 - Os pokémones lutam uns contra
os outros; 2 - não há pokémones bons e maus,
pois essas categorias vêm directamente dos seus treinadores;
3 - até ver, ganham sempre os bons, o que politicamente
está correcto; 4 - You gotta catch'em all!!, ou seja,
crava os teus papás e vovós, massacra-os se necessário,
até teres a colecção de 150 mutantes (mais
acessórios) no armário. Nessa altura os japoneses
já terão engendrado outra porcaria qualquer para
que os velhos continuem a desembolsar. Vejam-se os casos precedentes
da Háidi & Marco, dos Páuér-Rangers,
do DragonBól, para ver que não estou a exagerar
nem um cisquinho.
Aquilo que não vem no guião e que também
captei: 1 - as lutas de pokémones são provocadas
pelos meninos maus; 2 - os meninos não lutam entre si
- os seus pokémones encarregam-se disso; 3 - o contacto
físico entre humanos é inexistente - os pokémones
tratam do assunto.
Ou seja, a interacção
entre seres humanos estabelece-se através de procuradores
electrónicos (ou bio-eléctricos, ou ciborgues de
bolso, que se transportam dentro de umas bolas e que são
atirados uns contra os outros). O saudável hábito
de andar à porrada (e trazer um olho pisado e uns arranhões
como medalhas de guerra) perde-se assim, pondo umas bixezas esquisitas
a fazê-lo por nós. Porque não com Rotweillers
ou galos de combate? Sempre era mais biológico e não
seríamos privados da visão poética do sangue
e das tripas ao sol...
E outra interrogação se segue: se as cenas de pancadaria
se fazem por procuração, como será o futuro
destes putos, no que diz respeito a relacionamentos amorosos?
Atiro a pokebola e o meu Zubat vai para a pokékama com
a tua Zulbix?
É, devo mesmo estar a
ficar muito velho. No meu tempo não era nada disto...
Ah!, não esquecer que
"Pokémon, Picachu and all other Pokemon character
names are the trademarks of Nintendo".
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O seu a seu dono, que o copirraite é essencial nestas
coisas. |