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...No
princípio
era o movimento
POR PEDRO JESUS
A Covilhã recebe,
neste mês de Maio, a primeira edição dos
Encontros de Dança. Contemplando quatro espectáculos,
o certame sobe ao palco no Teatro-Cine, até ao próximo
dia 18. A organização está a cargo do Teatro
das Beiras, que pretende assim suprir uma lacuna e fomentar o
interesse por diferentes expressões artísticas.
Finda a semana inicial, as primeiras impressões.
Karlik Danza Teatro revelam
Palavra de Ángel
O Teatro-Cine recebeu, no dia
9 de Maio, o primeiro dos quatro espectáculos que integram
os Encontros de Dança. Proveniente da cidade de Cáceres,
a companhia Karlik Danza Teatro ofereceu aos presentes Palavra
de Ángel, um espectáculo que buscou raízes
tanto na dança como no teatro e no canto.
O teatro é reconhecível na estória que se
conta. Esta remete-nos para um cenário em que os homens
são visitados pelo mensageiro de Deus, que apela à
mudança de atitudes e um regresso à pureza. Entenda-se
aqui a pureza como sinónimo de nudez, o estado que aproximará
o Homem ao Anjo, ser igualmente dotado de uma identidade sexual.
O canto une-se a uma selecção musical que realça
os momentos em que o homem está em confronto com a mulher,
e os momentos em que ambos se fundem, não esquecendo os
momentos em que a plano terreno e o plano supra-terreno se tocam.
Sobra a referência à dança, o género
em que o espectáculo se funda. Num espectáculo
que procede a semelhante aproveitamento do teatro e da música,
a coreografia não foi de modo algum descurada. Ao invés,
a fusão de géneros enriqueceu grandemente o conjunto.
Se considerarmos que a companhia Karlik Danza Teatro está
primeiramente orientada para a dança, mais facilmente
se apreende toda a riqueza e complexidade da coreografia. Louve-se
o facto da coreografia permitir aos intérpretes mostrarem
todo o rigor da técnica e toda a graciosidade dos seus
movimentos.
Voltando ao tema central do espectáculo, uma mensagem
parece transparecer: o fim é sempre o princípio
de algo...mais positivo. Os primeiros Encontros de Dança
da Covilhã a começarem ao melhor nível.
O elogio da banalidade
Em palco uma mulher. Uma personagem
só, que se vai dando a conhecer, ainda que nunca chegue
a proferir uma palavra. Aos espectadores, tornados voyeurs involuntariamente,
resta observar - e contemplar - aquela mulher que os convida
a tomar contacto com o seu pequeno mundo. Um mundo feito de gestos
banais, que repetidos até à exaustão, se
convertem num espectáculo minimalista insuspeito.
Durante os 45 minutos em que vislumbramos esta mulher, assistimos
à dissecação de uma rotina. Todavia, assistimos
a algo mais. Arriscaria dizer que assistimos a um ténue
elogio da simplicidade e do quotidiano. Aqui todos os gestos
e movimentos, mesmos os mais banais e mecânicos, parecem
ser parte integrante de uma dança universal que engloba
todos aqueles que vivem. Porque viver é mover-se, e mover-se
é criar.
A mulher é Sílvia Real, intérprete e coreógrafa
de Casio Tone, apresentado no passado dia 13.Além destas
funções, Silvia Real é ainda responsável
pelo argumento, coreografia e cenografia. E o seu Casio Tone
(nome retirado a um popular teclado electrónico portátil
criado em 1980) respira referências, que vão desde
o cinema dos mestres europeus Jacques Tati e Roman Polanski,
até à musica de Komeda, e ao easy-listening de
Burt Bacharah. Também a animação dos países
de leste marca presença, ganhando especial relevância
no momento em que a cortina desce e deixa nos presentes a sensação
de terem assistido a uma prancha de banda-desenhada habitada
por um ser de carne e osso.
Próxima de um registo caricatural, Silvia Real proporciona
momentos de genuíno humor, nomeadamente na relação
que cria com o seu cenário, e também através
do recurso ao desproporcional e ao kitsch.
Quanto não vale a lucidez de achar algo válido
onde outros apenas vêem a banalidade e a mecanização?
E quão gratificante não será transformar
a rotina em algo que ainda surpreende universalmente?
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