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"Sentem então
as lágrimas assomando-lhes aos olhos e um sentimento caloroso
invadindo-lhes o coração. Ele jogara como eles
gostariam de jogar e nunca ousam jogar. Não entendem porque
razão ele joga como joga - mas isso também lhes
é indiferente, sim, talvez até pressintam que há
algo de suicida no modo arriscado como joga. E, apesar disso,
gostariam de saber jogar como ele: magnificamente, certos da
vitória, napoleonicamente".
É um dado adquirido que quando um artista,
venha ele do quadrante cultural ou artístico que vier,
alcança um grande sucesso com alguma das suas criações,
sucedem-se uma série de rituais mais ou menos previsíveis.
Se o primeiro de todos se traduz no aumento da exposição
mediática dada à personalidade em questão,
outra consequência directa passa pelo levantamento do passado
artístico do autor, devido à convicção,
muitas vezes estritamente mercantilista, que o público
deve aceder a todas as obras de um artista que foi reconhecido.
Tal convicção dá origem a situações
ambivalentes. Se por um lado, há a possibilidade do mercado
ser inundado por obras menores de um autor que reuniu as preferências
do grande público, também se pode dar o caso do
sucesso abrir as portas para aceder a uma grande revelação.
O propósito de tais considerações relaciona-se
com o caso concreto do alemão Patrick Suskind, que com
o romance O Perfume alcançou um sucesso que alguns consideram
assombroso, devido à constante sucessão de novas
edições do livro. Em resposta ao sucesso da obra,
a editora portuguesa que representa o escritor encarregou-se
de publicar a totalidade dos seus títulos disponíveis.
Como a filosofia de trabalho de Patrick Suskind, numa atitude
de distanciamento das regras de mercado, passa por não
conceder entrevistas aos meios de comunicação e
pela recusa de alguns galardões que lhe vão sendo
atribuídos, à editora, enquanto o escritor não
se decide a editar material novo, resta publicar material escrito
previamente à edição do seu mais conhecido
best-seller. Neste ponto, creio poder afirmar que se o sucesso
de Suskind não fosse a realidade que é, a editora
certamente não se lembraria de encomendar ao escritor
material antigo, como é o caso desta compilação
de três contos escritos na década de 70 e 80, acompanhados
ainda de uma entrevista imaginária em que o autor deixa
as suas considerações sobre o mundo literário.
Ainda que se possa entender este volume como um "aperitivo"
para os seus leitores, a obra confirma aquilo que já se
sabia de antemão, que Suskind é um excelente construtor
de personagens, de ambientes e de situações em
que toda a acção faz sentido e nenhum pormenor
trai o conjunto. Em Um Combate, o primeiro conto do livro, descreve-se,
com talento superior, um jogo de xadrez, e é deveras impressionante
a forma como o autor consegue reconstituir toda a acção
e transmitir a angústia, a tensão e a amálgama
de emoções que acompanham os praticantes do xadrez
no momento da jogada. Deixa no leitor a sensação
de que as palavras correm ao ritmo dos gestos rápidos
ou planeados destes jogadores.
O Imperativo de Profundidade, a segunda consideração
de Suskind, é um dos contos mais irónicos que alguma
vez me foi dado ler. O escritor, servindo-se da linguagem palavrosa
e oca que alguns pseudo-críticos utilizam, parodia as
pretensões destes em ter uma opinião vinculativa
sobre a criação artística alheia.
Na terceira história presente no livro, O Legado de Maître
Mussard, Suskind procede a uma reconstituição dos
costumes do século XXVIII, mais uma vez perfeita, tal
como o faria no romance O Perfume, e apresenta de forma empolgada
e convicta os argumentos que o Maître Mussard alega para
a sua terrível descoberta... que o mundo tem prazo de
validade. Algures entre a apresentação do outro
lado da Época das Luzes e a paródia às "certezas"
cientificas que se aceitam em determinados períodos da
História, o escritor quase nos convence que o mundo já
deveria ter terminado e é um engano ainda o habitarmos.
Em suma, não se trata do material mais recente de Patrick
Suskind, mas o que é apresentado faz jus ao seu nome.
O escritor no seu melhor nível . |