O poder das imagens
O texto que se segue não é um texto especificamente
"político", mas um texto sobre imagens. Que
um texto sobre imagens não possa, hoje em dia, deixar
de ser considerado político, resulta apenas do facto de
a imagem do poder se ter vindo a reduzir, cada vez mais, ao poder
da imagem.
Diz Marx algures que aquilo que
acontece na história universal sob a forma de tragédia
se repete ainda e sempre uma vez sob a forma de farsa. Vem isto
a propósito de três imagens televisivas de marca.
A primeira dessas imagens é a de um cidadão português,
em atitude de resistência passiva, a ser violentamente
preso (e agredido) na ponte 25 de Abril pela polícia de
choque do regime democrático. Esta imagem realista não
só marcou definitivamente o princípio do fim do
último governo de Cavaco Silva e da sua carreira política
como inspirou o slogan que daria ao engenheiro Guterres e ao
PS a sua primeira vitória eleitoral: o diálogo,
a necessidade de fazer política em diálogo.
A segunda dessas imagens é a de um candidato a primeiro-ministro
de Portugal engasgado com os números do PIB e uma simples
conta de multiplicar. Esta imagem, aparentemente (e inicialmente)
ambígua - "errar é humano", e tão
humano como a capacidade de dialogar, pelo que ambas as características
se reforçam - veio a tornar-se uma imagem de alta definição:
a imagem de um político que fala de tudo, que fala bem,
mas que falha no elementar, no pormenor, na praticazinha, como
diria o Eça. Ao longo destes anos, os exemplos têm-se
multiplicado. Para referirmos apenas alguns dos mais recentes:
a defesa inabalável da Internet quando se ouviu falar
vagamente do e-mail; o advogar da "sociedade da informação"
e "do conhecimento" num País em que o sistema
educativo se esboroa por todos os lados e manifesta uma incapacidade
cada vez maior não só para o conhecimento como
para a mera informação; o aumento imponderado e
intempestivo dos combustíveis; o falhanço clamoroso
no diálogo com as organizações sindicais
(mas não com as patronais).
A terceira dessas imagens é uma verdadeira imagem de síntese:
a de milhares de cidadãos a ocuparem pacificamente a linha
de Sintra. Neste regresso a uma ponte 25 de Abril simbólica
e menos dramática, mas que consegue virar os cidadãos
não só contra o Governo e a CP como contra os próprios
cidadãos (os maquinistas da CP), todos contra todos, não
podemos deixar de ver - numa televisão bem perto de nós,
à hora do almoço e do jantar - o verdadeiro regresso
da tragédia sob a forma de farsa de que falava Marx. |