Bandeira da justiça
por Rui Osório*
Charles Péguy
imaginava poeticamente que, lá na eternidade, diante do
trono da glória divina, erguem-se esplendorosas as catedrais
de Chartres e de Paris, a atestar a criatividade estética
dos humanos.
Talvez. Já agora, também uma charrua de lavrador,
ferro que a Bíblia aprecia mais do que o aço das
armas; um martelo de carpinteiro; um cinzel de pedreiro; uma
roca de fiadeira; uma sovela de sapateiro; um capacete de mineiro;
um avental de empregada de mesa; um uniforme de porteiro; um
cajado de pastor; uma máquina industrial; um balcão
de comerciante; um carimbo de notário; um livro escolar;
um jornal; um computador; um portal da net...
O trabalho é tão constitutivo do homem e da mulher
que a invenção da ferramenta assinala a sua certidão
de nascimento. O trabalho não é um castigo. Só
é uma pena o carácter doloroso em que se processa
e, mais ainda, quando se nega a alguém o direito e o dever
de trabalhar. Quando, como agora no neoliberalismo triunfante
e arrogante, se dá demasiada importância à
dimensão objectiva do trabalho em prejuízo ou negação
da sua dimensão subjectiva, cede-se à alienação
dos trabalhadores e declaram-se excedentários os desempregados,
os que procuram o primeiro emprego e, mais ainda, os deficientes,
todos considerados inúteis pela máquina trituradora
de pessoas e de bens.
É urgente levantar a bandeira da justiça à
semelhança do italiano Luigi Grossi. Despedido do banco
onde trabalhava, escalou há dias a fachada da basílica
de S. Pedro, no Vaticano, e hasteou uma bandeira junto ao relógio
como um apelo desesperado à justiça.
Imaginem se um dia se levantam todos os desempregados em peso
para reclamar justiça!
Multiplicam-se as vozes dos que adiantam a cultura da solidariedade
como alternativa à globalização económica
- a solidariedade de quem defende e promove o bem de todos e
de cada um, porque somos todos responsáveis por todos.
Clarões de esperança vêm de onde menos se
espera: em Portugal, daqueles ou daquelas que sabem aproveitar
o Rendimento Mínimo Garantido para sair da cepa torta,
na criação de alternativas que os façam
protagonistas do seu desenvolvimento; no Haiti, comerciantes
que se organizam para comprar em conjunto e fazer frente aos
grossistas; no Mali, empregadas domésticas que se juntam
para fazer valer os seus direitos; na Índia, crianças
trabalhadoras que aprendem a ler, para encontrar um pouco das
suas almas de crianças.
Haja esperança!
*NC / Urbi et Orbi |