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" (...) Eu gostava
muito de estar na cama com a tia Suzana. Ela dava-me beijos e
sentia que as suas mãos, a passarem-me pelo corpo, eram
uma espécie de acompanhamento das coisas que ela me dizia.
Às vezes nem falávamos: ficávamos ali, juntinhos,
e eu também lhe fazia festas por cima da camisa de dormir.
(...) Mais tarde, quando vi a confusão que as pessoas
fazem com o corpo lembrei-me de como tudo aquilo era tão
diferente: era uma coisa simples e inocente como é tudo
o que manda fazer a natureza. Ainda hoje acho que as pessoas,
quando gostam umas das outras, deviam fazer-se festas e arranharem-se
nas costas, assim, devagarinho (...). Não percebo porque
é que arranjaram tantas trapalhadas com estas coisas do
corpo. O corpo fala tanto como as palavras mas as pessoas, como
deixaram de respeitar as palavras, também não respeitam
o corpo (...) "
Ao folhearmos esta obra, ficamos
com uma sensação de verdadeiro bem-estar, talvez
pela linguagem simples e pura, ou ainda por retratar um universo
que nos é familiar, nem que seja pelas histórias
que os nossos avós nos contavam. Tia Suzana, Meu Amor
traz-nos toda a comunicabilidade de uma escrita sedutora, feita
de registos subtis acerca de um tempo, também ele lento,
tal como a paixão de um jovem beirão pela sua tia.
É esta paixão que corre todo o texto como uma suave
melodia, como uma estranha brisa, calma, para, na hora certa,
decifrar o mistério da memória. Mais um grande
sucesso de António Alçada Baptista. |