O País do Risco ao Meio
por Rui Pelejão
"País
engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano (...).
Já sabemos, pois, que és um homenzinho (...). País
dos gigantones que passeiam a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço do gesto e do chavão.
E ainda há quem os ouça, quem os leia, lhes agradeça
a fontanária ideia!"
Alexandre O'Neill, "O
País Relativo"
Portugal é um país
de risco ao meio. De um lado cabeleira esguia, abrilhantada a
shampô e gel, do outro a calvície deserta.
Portugal é um país de risco ao meio.
Penteado a preceito para um lado, com traço de pente certeiro
e rectilíneo a dividir a abundância capilar, da
careca franciscana.
A dividir o litoral do interior.
Portugal é o país da circunstância feita
pompa, pompa de tomate "à la trompe l'oeil".
Portugal não é em frente, é para um dos
lados. O interior deserta-se, o litoral enfeita-se.
Os sem sobremesa.
Como escrevia Ruy Belo, há os sem pão e os sem
sobremesa.
O euro 2004 volta a ser arroz doce servido em parca gamela para
os "groumets" instalados da politiquice há quatro
anos.
Para o interior as côdeas, para o litoral o Circo.
A desertificação do interior, e o dramático
envelhecimento das populações em vez de razões
de combate, são rações de Miltra, pretextos
de desinvestimento público.
Ao abrigo da velha lei de bronze inscrita na "tabuada do
João Ratão", que os políticos escondem
nas pesadas e ufanas pastas de couro - o investimento público
concentra-se prioritariamente nos aglomerados populacionais.
Que é como quem diz - concentra-se onde há mais
gente a votar e a contentar. - Cava-se o abismo, perpetuam-se
as diferenças. Abandonam-se as regiões pobres do
nosso país à sua sorte, a parente pobre a visitar
de jipe, com "souvenirs" da loja dos 300 a encher o
atrelado. Para lá respirar ar puro, ter uma quinta na
Beira, um Monte no Alentejo, uma coutada para caçar em
Trás-os-Montes.
Não tardará muito até que as aldeias do
interior sejam apenas poisos sazonais, reservas naturais para
observar a rusticidade e a pureza rural do país que já
foi nosso.
Será como nalgumas regiões da Alemanha, onde as
aldeias são povoadas por "actores-figurantes"
que recriam os usos e costumes da terra para gáudio a
"flash" e "handycam" dos turistas japoneses
de sorrisinho Nikon.
Em vez de faculdades de Medicina, fundem-se escolas de teatro
no interior.
Porque dentro de pouco tempo haverá bem pouca gente para
tratar, haverá apenas turistas para animar.
No Portugal-homenzinho que até chegou a presidente da
Europa e até já descompõe os arrogantes
austríacos, os jovens do interior continuam a deixar as
suas terras, as suas aldeias, em busca de uma vida melhor, tal
e qual faziam os seus pais quando Portugal era pequenino e pobrezinho.
Os incentivos à fixação de jovens no Interior
são remendos de meia-rota num país todo engravatado
que se continua a assoar à gravata por engano. Num país
de gente sisuda, mas pouco séria, que está casado
com ele mesmo em regime de separação de bens.
Cresce e aparece ó País! Que quanto à careca,
nem com restaurador Olex lá vais.
Cresce e aparece porque:
"A Santa Paciência país, a tua padroeira,
já perde paciência à nossa cabeceira".
Agora vou-me à levedura de cerveja, para bebericar a espuma
dos dias.
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