Estória de uma casa
que começou pelo telhado...
Do palavrão inicial com que todos fomos surpreendidos,
à realidade final com que iremos ser confrontados a partir
do início do próximo ano lectivo, o conceito de
"Estudante Elegível" é algo com que nos
temos vindo a familiarizar, sem contudo ser perceptível
até ao momento qual o seu verdadeiro alcance. Consagrado
na actual "lei de financiamento do Ensino Superior"
desde Setembro de 1997, este conceito estabelece para todos os
efeitos que os alunos que não concluam as suas licenciaturas
em 6 ou 8 anos, nos cursos de 4 e 5 anos respectivamente, passarão
a ser considerados perante as suas instituições
e perante os Estado como estudantes não-elegíveis,
isto é, as Instituições de Ensino Superior
deixarão de receber o respectivo financiamento por cada
um desses alunos. Não sendo esta propriamente uma ideia
inovadora, ela expressa um desejo já de si antigo, de
implementar a nível nacional um sistema de prescrições.
No que à nossa instituição diz respeito,
o efeito novidade desvanece-se rapidamente a este nível,
pois é de todos conhecida a regulamentação
interna que estabelece trâmites semelhantes aos que a lei
impõe. Contudo, o objectivo final torna-se evidente quando
o analisamos à luz dos sucessivos cortes orçamentais
no Ensino Superior e do qual o Orçamento de Estado para
o ano 2000 é testemunho. Transferir o problema do insucesso
escolar exclusivamente para as instituições e retirar-lhes
no futuro parte substancial do seu financiamento, com base numa
justificação legal, é a matriz de um plano
há muito denunciado que não teve, que não
tem e não terá certamente o apoio dos estudantes.
Sabemos que é mais difícil de detectar e enfrentar
as verdadeiras causas de insucesso escolar, de dar consequências
ao actual processo de avaliação das instituições
de Ensino Superior, de dar instrumentos financeiros que permitam
a promoção da qualidade de ensino, de implementar
um sistema de avaliação do desempenho do corpo
docente, de conceder apoios sociais condignos com as dificuldades
existentes no corpo estudantil e nas suas famílias, de
combater a exclusão no acesso e na frequência do
Ensino Superior público. Para o Ministério da Educação
é no entanto mais apetecível esta receita antiga
de adiar problemas e alguém a seguir "que apague
a luz".
Calcula-se que mais de 40 mil estudantes, dos cerca de 300 mil
a frequentar o "público", estejam nestas circunstâncias
em todo o País, sendo este número correspondente
a cerca de 12 por cento do orçamento para o Ensino Superior.
Até ao momento (Março de 2000), o Governo ainda
não sabe responder nem ao que é que irá
acontecer a estes alunos no início do próximo ano
lectivo, nem tão pouco indicou às instituições
quais os mecanismos existentes para suprimir os constrangimentos
de natureza financeira previstos na lei. Este cenário
de incerteza e indefinição é um claro sintoma
de que existem sérias dificuldades em implementar esta
medida. Os estudantes, por seu lado, há muito que reivindicam
um outro rumo para a Educação e para o Ensino Superior
em particular, na defesa de uma concepção universalista,
em que todos têm o direito de frequentar os mais elevados
graus de ensino, sendo a revogação deste conceito
um importante contributo no combate à exclusão
dos alunos do sistema e na dignificação de um Ensino
Superior público, gratuito e de qualidade, que queremos
para o nosso país. E assim talvez a estória seja
outra...
*Presidente da AAUBI |