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Paulo
Serra
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Os novos caciques
De acordo com os Dicionários de Língua Portuguesa,
cacique é o "indivíduo que tem influência
política numa determinada região e que, na ocasião
das eleições, arranja eleitores a favor de certo
candidato.". Uma correcta definição do termo
tem, no entanto, que ir mais longe - procurando eliminar pelo
menos três confusões e um equívoco que são
muito habituais.
Primeira confusão: a do cacique com o padrinho (do latim
patrinu, diminutivo de pater, pai; figurativamente, protector,
patrono). Enquanto a relação entre padrinho e afilhado
é uma relação entre um e um (mesmo quando
o padrinho tem vários afilhados, cada um é um caso
particular) e, simultaneamente, uma relação de
protecção (uma relação entre pai
e filho, só que mais fraca), a relação entre
cacique e "cacicados" (perdoe-se-nos o barbarismo)
é uma relação entre um e muitos e, simultaneamente,
uma relação de condução ( análoga
à que existe entre o pastor e o seu rebanho).
Segunda confusão: a do cacique do presente com a do cacique
do passado. Enquanto o cacique do passado - lembro-me perfeitamente
dos caciques da minha aldeia, antes do 25 de Abril - se limitava
a, antes das "eleições" (nome que, na
altura, se dava à farsa que "consagrava" os
candidatos fascistas), distribuir os boletins de voto acompanhados
por uns peixes de bacalhau, o cacique de hoje é muito
mais sofisticado, e já não distribui bacalhau:
atribui subsídios (às associações
com "mérito" cultural ou desportivo), distribui
empregos (mediante "concursos" suficientemente sérios),
efectua nomeações para determinados cargos (em
função da "competência" dos nomeados,
normalmente a título de "assessores"). Assim,
quer quantitativa quer qualitativamente, os novos caciques não
têm comparação possível com os caciques
do antigamente.
Terceira confusão: entre o caciquismo e o caciquismo político.
A própria definição dos dicionários
pode, aqui, induzir em erro, levando a pensar que o caciquismo
se restringe ao domínio da política (em sentido
restrito). Ora, o que é facto é que, à medida
que a política se generalizou a todos os domínios
da vida social - à educação, à saúde,
à ciência, etc. - o fenómeno do caciquismo
acompanhou tal invasão.
Quanto ao equívoco, consiste ele em pensarmos que o fenómeno
do caciquismo está reservado à direita ou à
extrema direita. Também quanto a caciquismo a natureza
humana se revela generosa: caciques há-os em todas as
dimensões do espectro político, da extrema direita
á extrema esquerda. É por isso totalmente ingénuo
pensar que quando o país ou a região muda de cor
eleitoral também muda a sua natureza: na realidade, muda
apenas de caciques. Se o cacique tem uma "ideologia",
ela é apenas a ideologia de si próprio (como o
comprova, aliás, o fenómeno conexo do "vira-casaquismo").
Esclarecidos pelos Dicionários, atentos às confusões
anteriores, estamos todos - eu e os (e)leitores - seguramente
mais cientes da verdadeira essência do caciquismo. Para
exemplos concretos do fenómeno, basta olharmos para a
nossa realidade local, regional e nacional - e colocar os respectivos
nomes. Com ou sem Dr.
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