Regime de Tutorado
na Universidade
da Beira Interior
por António Tomé
Alguns cursos da Universidade da Beira Interior têm tido
nos últimos anos taxas de aproveitamento muito baixas,
em especial nos dois primeiros anos, em simultâneo alguns
desses cursos têm tido uma procura reduzida por parte de
novos alunos.
Em parte para colmatar esta situação
pouco desejável a Universidade introduziu um regime de
tutorado. Contudo, alguns de nós que consideravam a introdução
de um regime de tutorado como algo positivo, e até de
implementação urgente para alguns cursos, não
nos congratulamos com esta medida, uma vez que pensamos que meias
medidas são na maioria dos casos mais prejudiciais do
que a ausência de medidas.
O regime de tutorado adoptado
é inócuo e inadequado, não pode sequer ser
considerado como uma experiência a ser melhorada, e os
efeitos negativos desta meia medida são evidentes quando
se assiste às jornadas de auto-avaliação
e se constata que a grande maioria das intervenções
aponta como facto positivo o estabelecimento do regime de tutorado,
não se questionando sequer a utilidade do mesmo. Corremos
o risco de cair na situação já existente
em relação aos inquéritos aos alunos no
final de cada disciplina. Esses inquéritos são
completamente inadequados para aquilatar da qualidade de uma
disciplina, mas enquanto existirem não se procuram alternativas
mais apropriadas.
Este texto tem a pretensão
de tentar evitar que tal aconteça. Os autores, cientes
da importância de um regime de tutorado, assumiram o cargo
de tutores do 1º ano das duas licenciaturas em Física,
apesar de discordarem na totalidade com o despacho reitoral que
regulamenta os tutores. Como, na essência os tutores têm
apenas um papel consultivo, corríamos o risco de nunca
sermos procurados. Assim, promovemos reuniões de esclarecimento
e de visita à Universidade que foram ficando despovoadas.
"Ninguém" quer ouvir bons conselhos se estes
não forem vinculativos. Quando um aluno do 1º ano
nos procura queixando-se do professor A que dá as aulas
por acetato, e portanto não vale a pena ir às aulas
porque lê os acetatos em casa, ou queixando-se do professor
B porque escreve no quadro de forma desordenada e ele não
consegue construir um bom caderno, ou ainda queixando-se do professor
C, que é uma monotonia porque escreve tudo certinho no
quadro com letra muito pequena, não quer ouvir do tutor
conselhos para ir às aulas, não quer ouvir lembrar
que se durante a instrução primária tivesse
podido desistir na primeira dificuldade, ou faltado à
escola porque a professora da primária era maçadora,
não teria aprendido a ler. Este aluno queria ouvir do
tutor exactamente o contrário, que tinha razão,
o docente em questão era maçador e ele ganhava
mais em não ir às aulas.
Fala-se muito no choque da transição
do secundário para a Universidade, para explicar as graves
dificuldades por que passam os docentes e alunos dos dois primeiros
anos da licenciatura. Existe sempre a implicação,
muitas vezes implícita, que esse choque se deve ao aumento
do grau de dificuldade. Contudo, quem conhece os programas das
disciplinas do Secundário facilmente constata que conceptualmente
os programas dos primeiros anos das licenciaturas, em disciplinas
com elevado número de reprovações como por
exemplo a Física I, não são mais difíceis
sendo até menos extensos. Existe de facto um choque de
transição, mas esse choque não advém
do aumento da dificuldade mas de uma diminuição
de responsabilidade por parte dos alunos.
A percentagem de alunos do primeiro ano que não frequenta
as aulas é assustadoramente grande. Poder-se-ia pensar
que a causa deste fenómeno residia no facto da maior parte
dos alunos estarem deslocados ficando mais vezes em casa junto
à família e amigos. Contudo, esses estudantes vêm
para a Covilhã e estão na Cidade à hora
da primeira aula de segunda-feira e só abandonam a Covilhã
após a última aula de sexta-feira. Mas não
vão às aulas. Porquê? Porque não são
obrigados a ir! Em crianças foi-lhes ensinado o sentido
de responsabilidade. Aprenderam a levantar-se todos os dia de
manhã para irem à escola. Aprenderam a fazer os
deveres. Quantas vezes lhes deve ter apetecido, como a nós
todos, ficar em casa e não ir à escola? mas aí
os tutores, os responsáveis pela educação,
impuseram-se. E em última análise todos aprenderam
a ler e a escrever.
Com o ingresso na Universidade
o estudante vai ter oportunidade de aplicar os conhecimentos
de leitura, escrita, aritmética, álgebra, etc.
que aprendeu nos graus de ensino anteriores e pela primeira vez,
mercê do regime mais liberal do ensino Universitário,
vai puder aplicar os conhecimentos de responsabilidade. Levantar-se
cedo para assistir às aulas das 8 horas, sem ninguém
o obrigar a isso, dedicar horas de estudo às matérias
que lhe são mais arredias, apesar de lhe não terem
exigido trabalho de casa. É aqui que falha a responsabilidade.
Com o argumento de que já são adultos, já
sabem assumir responsabilidades cometem a grande irresponsabilidade
de não ir às aulas, de não estudar as matérias
ao longo do semestre, desperdiçando o tempo em actividades
pouco ou nada produtivas e comprometendo todos os seus educadores
anteriores. Os resultados finais dessa irresponsabilidade são
visíveis nas taxas de aproveitamento das disciplinas dos
primeiros anos.
Um regime de tutorado sério
devia ser focalizado para a resolução deste problema,
tentando impedir ou minimizar esta atitude de irresponsabilidade
assumida pelos estudantes. Uma posição meramente
consultiva, como a actual, é inócua. Contudo, se
ao tutor fosse concedida a responsabilidade de emitir pareceres
vinculativos sobre alguns aspectos da evolução
académica do aluno os alunos começariam a ver no
tutor alguém a quem tinham que prestar contas, gerando
uma relação aluno-tutor de responsabilidade mútua.
Numa situação destas poder-se-ia pensar na supressão
de todas a precedências.
Assim, é nossa opinião
que o regime de tutores deveria ser implementado gradualmente
na UBI. Dever-se-ia começar com todos os alunos do primeiro
ano nas licenciaturas que justificassem esta medida, decisão
a ser tomada pelas diversas comissões científicas
departamentais. A cada docente seria entregue o tutorado de 5
ou 6 alunos que os acompanharia até ao final do curso.
Aos tutores, para além das tarefas de aconselhamento,
deveriam corresponder as seguintes funções oficiais:
1. aprovação da ficha de inscrição
dos alunos sob sua responsabilidade;
2. parecer vinculativo sobre o desempenho académico do
estudante para efeitos de atribuição de bolsas
de estudo e isenção de propinas;
3. aprovação da ficha de inscrição
em exames especiais.
Pensamos, que desta maneira, o choque sentido pelos estudantes
no primeiro ano das licenciaturas seria minimizado, e a tendência
cada vez mais natural, por parte dos alunos, de esquecer os ensinamentos
de responsabilidade aprendidos no ensino pré universitário
poderia ser invertida com a criação da figura do
tutor com alguma autoridade sobre a sua evolução
académica, podendo, também, à semelhança
dos alunos, ser chamado à responsabilidade pela forma
como gere a sua autoridade.
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