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A necessária reforma da Universidade: algumas considerações

por Alcino Pinto Couto

A recente posição do Presidente da República sobre a Lei de autonomia e organização das universidades, de 1988, introduziu na agenda política o problema da reforma das universidades e mais abrangentemente do Ensino Superior. Concomitantemente, a posição de alguns académicos sobre esta questão e outros aspectos tem contribuído para o acréscimo da sua importância. Importância esta que apenas parece ocupar destacado relevo nas páginas de jornais e a atenção dos interesses corporativos e do público, em geral, quando há greves, os estudantes mostram o rabo ao ministro, ou quando se discute a localização de uma nova universidade, como foi recentemente o caso da criação das duas novas faculdades de Medicina. Por discutir ficam sempre os problemas estruturais relacionados com a qualidade do ensino e da investigação, o seu financiamento, a sua incidência económica e social e a incapacidade que, em geral, as universidades portuguesas têm demonstrado em protagonizar as profundas transformações a que o sistema universitário internacional vem sendo sujeito desde há três décadas, com significativa intensidade nos anos 90.

Um dos aspectos críticos creio ser o modelo de financiamento que obedece a uma lógica per capita. Genericamente, quanto mais alunos e cursos a universidade tiver, mais dinheiro receberá. Tal critério fez com que num quadro de excesso de procura se criassem cursos a torto e direito ao gosto do cliente (leia-se instituições de Ensino Superior). Paralelamente, este critério tem reforçado privilegiadamente a função ensino. Assiste-se predominantemente à contratação de docentes e não de investigadores de carreira. Tal traduz uma concepção compartimentada da relação ensino-investigação. A universidade portuguesa não tem uma estratégia de investigação - limita-se fundamentalmente a acolher as actividades de investigação no quadro da progressão na carreira. Esta estratégia dificilmente gerará receitas para universidade e permitirá no futuro valorizar a participação dos investigadores portugueses em redes internacionais, e um maior acesso a diferentes fontes de financiamento da investigação, como a empresarial, e a nível internacional, nomeadamente comunitário. Em contrapartida, conduziu a um excesso de capacidade de oferta, com custos elevados e irreversíveis em resultado do esforço em edifícios e equipamentos, sendo já evidente uma sub-utilização de capacidade instalada no que respeita ao ensino. Uma reafectação destes recursos para investigação possibilitaria a criação de futuras competências e maior capacidade competitiva num domínio claramente periférico no sistema universitário português.

O crescimento desmedido e a expansão territorial das instituições existentes encontra, em parte, explicação, para além na necessidade de democratizar o acesso e na situação anteriormente apontada, em dois aspectos relacionados entre si. Em primeiro lugar, na confusão existente quanto à fonte de legitimação da credibilidade e poder científico e pedagógico. Este deixou de ancorar na qualidade e passou a ser aferido pela dimensão. Em segundo lugar, na visível competição entre instituições, claramente estimulada pela esfera política, nomeadamente local. Actualmente o mundo da ciência não é apenas gerido de acordo com as norms of science, mas também, e cada vez mais, por factores oriundos de outros universos, fundamentalmente político e de mercado.

Uma outra questão relaciona-se com a organização interna do poder. Observa-se a opção por uma lógica de poder colegial geradora de inércia e pouco apelativa à criatividade dos seus agentes. Inércia esta bem patente nos diferentes níveis de poder, mas sem dúvida com maior relevância quanto às instâncias com poder de decisão estratégica. Um modelo de gestão descentralizado sedimentado por uma cultura institucional e finalidades claras, legitimado na base da apresentação de projectos, de ideias, sufragadas, de uma atitude profissionalizada e com mecanismos de responsabilização por objectivos parece revelar maior eficácia.

A universidade acaba por não constituir, muitas vezes, um espaço de participação democrática, ainda que este seja um objectivo central do actual modelo formal. Mas verificam-se anacronias congénitas e não congénitas, bem como significativas diferenças de instituição para instituição. Por exemplo, não tem sentido conciliar o que não é conciliável, como a existência de um excesso de poder partilhado por corpos não docentes em domínios que são estritamente de natureza científica; como também é inaceitável, face à sua visão de curto prazo e situação transitória, a pressão dos alunos quanto à estrutura curricular dos cursos e seu conteúdo, assistindo-se, por vezes, a situações reivindicativas próximas de soluções á la carte.

O problema da contratação automática de docentes doutorados creio não ser, de momento, genericamente pertinente, dada a falta de doutorados. Convém, contudo, lembrar que seria profundamente prejudicial para a qualidade das instituições uma maior precaridade da relação contratual. A mobilidade tem sentido e é eficaz quando existem condições que viabilizem opções alternativas e não apresentem o espectro do desemprego. A acontecer esta última situação, seria muito negativa a longo prazo, quer do ponto de vista científico-pedagógico, quer social. Uma elevada rotação, e sujeita a ausência de condições de mobilidade, não permite fazer escola, nem a criação de uma cultura institucional singular, ainda que universal. Tal estimularia ainda mais a fuga de recursos humanos, notoriamente evidente na actual situação, e impediria a renovação do capital humano existente.

A concessão da autonomia traduziu-se objectivamente, pelo menos tendencialmente, numa desresponsabilização do Estado e na irresponsabilização das instituições pelo cerceamento a intervenções externas. Não defendendo a presença do poder do Estado nas universidades, e desconfiando na sua capacidade para regular a situação, penso que - definidos objectivos estratégicos globais nacionais quanto ao papel da ciência e da tecnologia e o seu relacionamento com as outras políticas - as instituições têm um significativo espaço de intervenção para definir as suas linhas de orientação estratégica e operacional, bem como o portfolio de parcerias, mostrando deste modo a sua capacidade de iniciativa e protagonismo.

O que poderia existir seriam medidas objectivas de penalização de actos de má gestão, ou de ausência de excelência na prossecução das diferentes missões. Programas de financiamento competitivo, baseados em contratos plurianuais, poderão constituir uma alternativa e funcionar como elemento incentivador ou desincentivador, através da avaliação ex-ante e ex-post. É imperativo salientar, contudo, que nem todas as instituições se apresentam em situação idêntica em resultado quer do seu curto ciclo de vida, quer do meio adverso em que se inserem. Tendo em conta estes factores, e que o projecto universitário se trata de um investimento com retornos de longo prazo, deveriam existir, à semelhança de outros países com maior potencial científico e tecnológico, caso dos Estados Unidos, medidas de discriminação positiva orientadas para a formação de competências e de dinâmicas de aprendizagem que viabilizem a prazo o acesso de instituições, nas condições acima apontadas, às condições de financiamento da investigação baseadas em critérios de excelência.

É o desafio com que se confrontam o poder político e as universidades em Portugal, e não só. Quem o souber enfrentar será, estou certo, melhor sucedido.






 
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