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"Fonte" (1917)
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Ceci
n'est pas un...
POR CATARINA
MOURA |
Quando Marcel Duchamp comprou aquele
urinol, o chamou "Fonte", o assinou com o pseudónimo
R. Mutt, e o expôs numa galeria, era toda a história
da arte até 1917 que estava a ser posta em causa. Proclamava-se
assim o niilismo artístico - a morte da arte.
A ideia de Duchamp era simples. Ao retirar um objecto do seu
uso corrente, situando-o num novo contexto, acreditava estar
também a dar-lhe um outro sentido. Questionando desta
forma os cânones e as ideias pré-concebidas sobre
o conteúdo da arte, Duchamp defendia que o importante
não é a criação e sim a selecção,
ou seja, mesmo não tendo sido o artista a criar o objecto,
foi ele que o elegeu e lhe deu sentido. Surgia assim o conceito
de ready-made ou "objecto encontrado", que viria a
influenciar vários outros artistas e todo um movimento
- o Dadaísmo.
Os que defendem que o século XX só começou
depois da Primeira Guerra Mundial justificam-se reclamando que
só neste momento se assiste a um verdadeiro ponto de ruptura,
resultante de um momento de crise e dissolução
de todos os valores. Que esperar do futuro se o ser humano é
capaz de algo tão terrível como aquela guerra?
Como encontrar sentido na vida depois de viver algo que não
faz qualquer sentido?
A comunidade artística reage a esta "anomia"
rompendo com a ordem vigente e cultivando uma linguagem estética
que desafia os velhos cânones e traz à arte o irracional
e o inconsciente - única solução quando
a razão conduz à guerra. O século XIX e
início do XX trazem o culto extremo da racionalidade.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a solução encontrada
é explorar o outro extremo.
Com a descoberta de novas linguagens estéticas, deliberadamente
desarticuladas e inacessíveis ao entendimento comum, a
minoria criadora quer obrigar a maioria amorfa a pensar, a sentir,
a reagir. Daí a agressão cultural, a provocação
aparentemente gratuita, o sarcasmo. Desde decorar a Mona Lisa
com um bigode, a assinar e expor objectos como garrafas ou urinóis,
passando por uma aula dada por 38 professores em uníssono,
toda a provocação era válida.
Deliberadamente anti-arte e anti-sentido, tendo em conta o que
até então significavam arte e sentido, o Dadaísmo
tenta suprimir qualquer relação entre pensamento
e expressão, esvaziar a arte de razão. |
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