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Dulce Pontes
O Primeiro Canto


É um facto que dos artistas nacionais que procuram obter um nome fora de fronteiras, aqueles que o têm conseguido, reunindo o consenso por parte da crítica e do publico, são aqueles que nas lojas de discos de todo o mundo são catalogados de world music. Observem-se os casos de Amália Rodrigues, Mísia, Paulo Bragança, ou os grupos Madredeus e Ala dos Namorados. O vector que une todos estes nomes é a expressão máxima da canção portuguesa, o Fado. Este género acaba por ser o fio condutor que atravessa a música dos nomes referidos, independentemente de uma abordagem mais tradicionalista ou inovadora, e independentemente das outras referências que estes nomes possam reclamar.
Dulce Pontes inclui-se naturalmente no grupo acima referido, quer por ser das artistas que procuram "pegar" no Fado e acrescentar-lhe elementos inovadores, impedindo que este caia na estagnação; quer por ser das intérpretes que mais reconhecimento tem recebido a nível nacional e internacional. Recorde-se que a sua interpretação da "Canção do Mar" foi incluída no genérico do filme A Raiz do Medo/Primal Fear (com Richard Gere e Edward Norton), ou a sua colaboração com o mediático Andrea Bocelli.
Com o álbum que aqui se apresenta, O Primeiro Canto, a artista iniciou uma nova fase na sua carreira, procurando obter uma aproximação ainda mais profunda às raízes da música portuguesa e às raízes das "músicas do mundo". Com este propósito, encetou uma viagem ao Portugal profundo e procurou entre as manifestações musicais existentes, as mais primárias e tradicionais, e logo, as mais honestas, porque na sua génese não procuram fins comerciais, mas tão somente transmitir a alma de um povo.
Dulce Pontes encontrou estas manifestações musicais e incluiu-as no presente álbum, contando com colaborações tais como o Grupo de Adufeiras do Rancho Etnográfico de Idanha-a-Nova, um grupo vocal masculino do Alentejo, o angolano Waldemar Bastos, ou Maria João. Num só álbum estão presentes referências que passam pelos cantares alentejanos, pelo dialecto mirandês, pelo Fandango, pela música de raiz angolana e claro, pelo Fado.
Perante um álbum tão eclético e com um conceito tão ambicioso, é gratificante apercebermo-nos que desta recolha de sons e instrumentos, alguns dos quais já caídos em desuso, resulta um álbum extraordinariamente coerente e capaz de conquistar ouvidos habitualmente ligados a outras sonoridades.
O álbum é inteiramente acústico, verificando-se belíssimos momentos quando a enorme voz de Dulce Pontes "batalha" com o som inconfundível da guitarra portuguesa ou quando se mistura com outras vozes, bem mais habituadas ao trabalho de sol a sol do que à projecção mediática.
É amplamente referido no folheto que acompanha o álbum, que Dulce Pontes procura uma ligação quase espiritual com a natureza, criando para os sons encontrados, poemas bucólicos e construindo um alinhamento que parte do conceito dos quatro elementos: terra, ar, fogo e água.
Se a voz de Dulce Pontes, cada vez mais segura e universal, é já um chamariz para conhecer a música portuguesa, a selecção quase que "antológica" dos sons recolhidos vem certamente perpetuar o interesse internacional pela artista. Se me fosse pedido para definir este álbum, numa única palavra, diria: fundamental.

Pedro Jesus


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