" O caderninho, fechado
a sete chaves no meu cofre secreto, nunca poderá ser visto
por olhos humanos, e, assim que o terminar, irei lançá-lo
ao fogo, deitando fora as suas cinzas; mas o confiar ao papel
as antigas recordações deve servir para mitigar
a sua amargura e persistência. Ficou-me gravada na mente
cada uma das acções, das palavras e sobretudo das
vergonhas daquele inquieto período do meu passado."
Publicada originalmente à
mais de um século, em 1883, Senso é uma novela
de Camillo Boito, escrita no feminino, em forma de diário.
Perante estes dados, torna-se impressionante verificar que
o livro conserva uma força e modernidade verdadeiramente
incríveis. Estas qualidades residem essencialmente na
exímia apresentação do retrato completo
da Condessa Lívia e das suas atitudes e reacções
perante os diversos sentimentos que acompanham a sua união:
a paixão, o amor, o ciúme, a traição
e a vingança, doseadas ainda com alguma malícia
e poder de manipulação. O livro, habitualmente
referido como um dos clássicos da literatura italiana,
foi levado ao cinema pela mão do realizador Luchino Visconti.
Como forma de se libertar da presença de um advogado que
está apaixonado por si, a Condessa Lívia recorda
os acontecimentos que ocorreram 16 anos antes e que foram confiados
a um diário, no qual se encontra descrita a sua relação
adúltera com um oficial austríaco libertino, na
época em que a Itália estava sob o domínio
austríaco.
A condessa narra, neste seu diário, uma sequência
de situações, começando por reflectir sobre
a sua infância e sequente casamento, progredindo seguidamente
para importância do dia em que travou conhecimento com
o seu futuro amante, e para a intensidade que esta paixão
iria ter na sua vida, levando-a a sujeitar-se a uma série
de sacrifícios e a pôr em causa a sua condição
de senhora respeitável.
A Condessa Lívia nunca chega realmente a fazer considerações
morais sobre os seus actos, mas através da sua descrição
fiel aos acontecimentos, deixa no leitor uma ideia precisa da
sua personalidade e quão emocional pode ser uma mulher
ferida. Nesta apresentação desassombrada e despida
de um ser humano, reside a força e intemporalidade deste
livro.
Pedro Jesus
|