Mais estudantes
menos cliente$
Comemorou-se nesta sexta-feira, dia 24 de Março, o Dia
do estudante. Sendo presidente de uma Academia como é
a da Universidade da Beira Interior, seria impossível
ignorar esta data, até porque, por circunstâncias
que são conhecidas, é nestas coisas de vida de
estudante que passo os meus dias. Por razões históricas,
aqueles que dedicam a sua vida à tarefa diária,
a aprender e conhecer, têm o seu dia.
Em Portugal, só com umas
contas assim por alto, são mais de um milhão. Professores,
investigadores, escolas, funcionários, livros, quadros,
canetas, papéis, cadernos, computadores, laboratórios
e muitos, muitos estudantes, um tufão de gente de Setembro
a Junho. Se fizermos a conta, estamos a falar de muitos milhões
que custam ao Estado e, no fundo, a todos os que trabalham e
pagam os seus impostos, para sustentar o ensino em Portugal.
Tudo isto para sermos um país
que, na Europa, é o penúltimo na abrangência
de Acção Social Escolar. Em mais nenhum outro se
verifica uma taxa de analfabetismo igual à nossa (13 por
cento). E só 14,7 por cento da população
empregada tem uma licenciatura, contra 22,7 por cento nos restantes
países da União Europeia. Apesar de se terem verificado
investimentos nos últimos anos, hoje, a este nível,
ainda temos décadas de atraso. Chegou-se a falar de paixão,
uma espécie de engate eleitoral que teve a sua pinta,
mas depressa se percebeu que os amores eram os de sempre e, depois
de 1995, era como se nada tivesse acontecido entre o casal.
Ter cidadãos mais cultos,
conhecedores e capazes, não só de trabalhar e transformar
as coisas como também de interpretar, é uma necessidade
tão básica como a alimentação e a
saúde. No nosso país produz-se riqueza suficiente
para que todos, sem excepção, tenham acesso aos
mais elevados graus de ensino. Para que o direito constitucional
à educação seja uma realidade - não
que estejam a fazer um favor á famílias, mas um
investimento a médio/longo prazo nos portugueses e na
sua qualidade de vida. Aferir da democraticidade e da qualidade
do sistema é saber se, por exemplo, os dois filhos de
uma família que sobrevive com dois salários mínimos
nacionais têm possibilidade real de chegar e concluir o
Ensino Superior, ou se pelo menos têm as mesmas possibilidades
de uma família de classe média.
Poder-se-ía dizer que
é uma questão de sacrifício e convicção
de natureza individual, uma opção de vida ou até
um capricho, mas prefiro vê-lo como um esforço e
uma necessidade colectiva dos povos. Trata-se, em última
instância, de um aprofundamento da própria democracia,
a democracia do conhecimento e do saber, que para existir tem
que estar acessível e disponível a todas as classes,
a todos os cidadãos. Penso que esta é também
uma opção ideológica dos governos, apesar
de na maioria das circunstâncias nos países mais
evoluídos o ensino ter sido também prioridade,
sobretudo com intenções de aumentos de produtividade
e acumulação de riqueza. No entanto, e para todos
os efeitos, este acaba por ser uma alavanca económica,
social e cultural de qualquer estado.
O que mais assusta é que
há já algum tempo que todos estes milhões
surgem como algo demasiado apetecível para estar na sua
totalidade, sobretudo a parte mais lucrativa, sob a alçada
do Estado. A privatização do ensino, sendo já
uma realidade em alguns dos graus, de forma mais expressiva no
pré-escolar e em muitos dos países ditos "desenvolvidos",
é uma ameaça que pende sobre nós. Quem melhor
que os estudantes e suas famílias para serem os
cliente$
do sistema?
Alertar neste dia 24 que há outro caminho e outro rumo
para o ensino era um imperativo de ordem moral que se impunha
e tinha de ser cumprido. Bem hajam! |