Dizer e fazer
a cidade
É hoje consensual
que a modernização do país passa, grosso
modo, pela qualificação urbana, na convicção
de que a própria estruturação da sociedade
e o ordenamento do território precisam de cidades dinâmicas,
activas, multidimensionais e multifuncionais. Pelas cidades passa
a organização de sistemas territoriais e incluem
vários aspectos da vida colectiva. Isto porque o país
é cada vez mais uma sociedade urbana, tendo a forma de
povoamento que é a cidade centralidade na existência
de alguns problemas específicos (como a exclusão
social, poluição, mobilidade, ...) e nos desafios
da cidadania, da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável.
Tenho mantido uma preocupação
pela requalificação das cidades do Interior por
forma a que se concilie crescimento com qualificação,
evitando-se, assim, os exemplos descaracterizadores que abundam
pela faixa litoral, num modelo que ainda não é
urbano mas também já não é rural.
Tal a atípica urbanização atingida e que
mais se enquadra no surto imparável de suburbania que
alastrando em mancha de óleo, está já a
ameaçar os territórios e as cidades médias
ou pequenas da nossa Beira. Precisam-se visões estratégicas
para se perceber que uma cidade é o capital mais importante
para organizar os sistemas territoriais, devendo caber-lhes maior
papel no próximo ciclo das políticas públicas;
e uma prospectiva que mobilize instrumentos, parcerias, contratualizações
entre actores públicos, associativos e privados.
Assim, parece-me que serão
perdedoras as cidades que não se conseguirem adaptar a
novas oportunidades e desafios que a todas defrontam. Algumas
verão agravadas as suas condições, sobretudo,
aquelas que se localizem longe das principais vias de transporte
rápido, que forem periféricas, que teimarem em
manter certos métodos e estrutura sem se adaptarem. A
tendência será tanto mais verdadeira quanto a polarização
das grandes cidades se for desenrolando e integrando territórios
cada vez mais vastos.
É nesta premissa que as
cidades médias (ou pequenas, tanto faz) são viáveis,
conciliando convivialidade e cultura, qualidade ambiental, potencial
de diversificação económica e bom relacionamento
institucional, podendo ser locais privilegiados de cidadania,
por contraponto às grandes cidades e metrópoles,
crescentemente desumanizadas e massificadas.
É certo que as suas "carências"
fazem-se notar quando há falta de infra-estruturas, equipamentos,
acessibilidades, funções qualificadas e na inexistência
de efeitos de aglomeração, de todo o tipo de densidade.
Isso traduz-se na incapacidade que as cidades médias têm
em substituir o elevado número de contactos e sedes de
negócio, tal como em adquirirem potencial de decisão.
Mas face à lógica do vulgarizado paradigma das
redes estas cidades podem assumir novos protagonismos e conjuntos
de oportunidades. Penso no conceito que Ferrão propõe,
o conceito de cidade intermédia (de carácter qualitativo,
dinâmico e relacional), ou seja, como uma cidade passível
de ser integrada no circuito de relações que se
estabelecem no seio de sistemas urbanos, um intermediário
(efectivo ou potencial) entre territórios situados em
dimensões distintas (as cidades globais, de um lado, e
os territórios "marginais" e esquecidos, do
outro).
Sublinho que este conceito tem
algo de inovador relacionado com a ideia de que a importância
de uma cidade não deriva tanto da sua dimensão
demográfica mas sim da forma qualitativa como se insere
no sistema urbano de proximidade e como se relaciona com os restantes
territórios em termos qualitativos. É que os aspectos
simbólicos, a espessura da sua identidade sociocultural
são aspectos qualitativos da maior importância para
as cidades intermédias, fundamentais para a sua afirmação.
Como exemplos de intervenções
qualificadoras podemos pensar na criação de unidades
avançadas de investigação, na criação
de hospitais-escolas especializados, na instalação
de equipamentos especializados de cultura, lazer e turismo ou
na criação de centros tecnológicos de investigação
aplicada de forte raiz local que façam a ligação
entre empresas e universidades.
Mas queremos acentuar que a revalorização
destas cidades prende-se muito com o seu ambiente, a sua paisagem,
a sua "estética", a sua identidade e a sua história.
As componentes social, arquitectónica, urbanística
e económica são bases fundamentais do seu desenvolvimento,
numa perspectiva teórica cada vez mais virada para a fruição
pública dos espaços e das ideias.
Somos de opinião que a
principal preocupação das cidades médias
portuguesas a médio prazo, devido às suas limitações,
não será a de conquistarem uma posição
cimeira ou determinante nas redes urbanas europeias mas sim a
de estarem presentes em situações de visibilidade
e protagonismo no seu seio.
Nas componentes imateriais do
desenvolvimento urbano, refiro a importância da imagem,
reflexo de uma identidade e cultura fortes, como aspecto basilar
do envolvimento das pessoas e das instituições.
Uma imagem é um conjunto de representações
mentais, pessoais, subjectivas, selectivas e simplificadoras,
muitas vezes complexa. A imagem é, também, mensagem
interna e externa. Do ponto de vista da gestão, privilegia-se
a imagem enquanto representação mental. Do ponto
de vista da análise, a imagem é o conjunto das
percepções que um indivíduo tem a propósito
de um objecto.
Dentro deste raciocínio,
é possível distinguir três tipos de imagem:
a) A real - o que é a cidade; b) A adquirida (subjectiva)
- a maneira como é percebida; c) E a desejada - maneira
como a cidade quer ser conhecida. Daqui se percebe que há
uma imagem imanente a qualquer objecto e, ao mesmo tempo, a possibilidade
de a poder transformar, ou pelo menos, reformular, por actuação
de processos de comunicação. Contudo, esta é
uma questão não simples a precisar de aprofundamento
ulterior, se para tal tivermos ocasião.
Mas, a cidade é um suporte
privilegiado de imagens. Ela é matéria, forma,
movimento, significações, componente de um imaginário
pessoal e colectivo. É simultaneamente imaginário
e vivido. São múltiplas imagens emitidas e repetidas
que conformam a imagem de uma cidade. Intervêm crenças,
ideias, percepções diversas que as pessoas fazem
de aspectos diferentes de uma cidade e não a sua imagem
global. Não se trata de um processo racionalizado mas
antes intuitivo e de simplificação cognitiva. É
a soma de diversas partes, mas é mutável e passível
de ser influenciada ao longo do tempo.
Efectivamente a imagem de um
lugar será um conjunto de mensagens dominantes dessa localidade.
E, nesta óptica, um conjunto resultante da comunicação.
Assim é, e o jogo entre imagem interna e externa é
fundamental na medida em que se poderão reforçar
mutuamente. Uma imagem externa deve basear-se sempre numa realidade
e numa imagem interna coerentes.
De uma forma simplificada podemos
dizer que os elementos para construir uma imagem forte são:
a clareza, a credibilidade, a simplicidade e a capacidade de
diferenciação. É fundamental promover imagens
coerentes com a realidade e, por vezes, reconhecer aspectos menos
positivos das localidades, valorizar e tornar visível
os traços positivos e comunicar a eliminação
dos negativos. A construção de uma imagem globalmente
positiva de uma cidade é tão importante quanto
o acolhimento, a qualidade de vida que o local é capaz
de dar a qualquer visitante ou habitante.
A imagem global de uma cidade
é o reconhecimento mútuo que fundamenta uma convicção
comum e cumpre dois objectivos intermediários: o reforço
das relações entre os cidadãos e o lugar
e o de fazer de cada pessoa e organização um embaixador
da cidade. Daí a importância de construir uma imagem
assente no mítico e na história dos territórios
e das pessoas para a afirmação de uma identidade
territorial forte. A construção de uma imagem colectiva
aumenta a eficácia territorial, a adesão do cidadão,
o consumo (interno e externo), reforça a notoriedade e
a atractividade.
Em momentos de reestruturação
e redireccionamento de políticas e actores, para motivar
os agentes de mudança, as pessoas e as organizações
é, muitas vezes necessário criar mitos, ideias
integradoras, fazê-las circular pelos canais de comunicação
desses dois níveis (interno e externo). É benéfico
desenvolver o sentido de pertença, o espírito de
conquista e de vitória, dar reforços positivos.
E a comunicação
é factor fundamental de coesão. A comunicação
interna vai além da transmissão de informação
e coordenação de actividades e papeis. Modifica
as representações, buscando uma representação
colectiva e a transferência de informação
simbólica, ao mesmo tempo que cria uma linguagem comum
específica, um quadro de referência territorial.
A implicação dos
diversos actores na construção do projecto de cidade
é um dos aspectos fundamentais do sucesso das políticas
de dinamização e desenvolvimento que aqui se defendem.
Ao mesmo tempo que o projecto de cidade define o consenso local,
indica os limites da comunicação e marketing que
os diversos actores poderão fazer por forma a não
criarem imagens urbanas/territoriais conflituosas. A imagem promovida
pelo projecto de cidade deve ser tão abrangente que permita
a qualquer actor (individualmente, em parceria ou em rede) desenvolver
os "produtos" territoriais que pretender.
Defendemos a ideia de que o projecto
de cidade pretende ser uma via para a democracia participativa.
Assim, o projecto precisa de uma legitimidade forte para se impor.
Esta só é atingida pela troca de informação
no consenso alargado de actores colectivos principais e cidadãos.
Deve basear-se num processo de comunicação aberta
entre todo o tipo de actores. Deve federar o número mais
alargado possível de participantes e representantes, precisando,
para isso, de uma institucionalização e comunicação
fortes. |