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por Catarina Moura
"We are moving from
a world in which the big eat the small
to a world in which the fast eat the slow".
Klaus Schwab
O mundo inteiro regulado por
um único fuso horário pode fazer confusão
a muito boa gente, mas a Swatch apostou na ideia e criou o conceito
de Hora Global, subvertendo completamente o tempo tal como o
vivemos e pensamos. Partindo do pressuposto que o nosso mundo
se move à base de múltiplos de dez, a Swatch substituiu
as 24 horas do dia por mil beats universais (@1000), mil unidades
iguais que equivalem, cada uma, a um minuto e 26,4 segundos.
Em termos reais, isto significa que 16h31 em Lisboa e 22h31 em
Calcutá serão em ambas as cidades @730, tal como
em qualquer ponto do mundo. A Hora Global, ou Internet Time,
é um tempo sem fronteiras geográficas, sem constrangimentos
de dia, noite ou distância, anunciando que a globalização
também já se apoderou do tempo. Um tempo virtual
para um espaço virtual, no qual se movimentam entidades
igualmente virtuais, pois no ciberespaço ninguém
é realmente coisa nenhuma. Aliás, a piada está
em poder ser quem nós quisermos, até mesmo nós
mesmos, se optarmos assim.
As novas tecnologias apresentam-nos
um mundo novo, onde está quase tudo por descobrir, e isso
é inevitavelmente aliciante. As teorizações
ciber-utópicas acentuam a universalidade potencial do
novo espaço público, pretendendo apresentar a Internet
como uma espécie de chave para a democratização
da cultura, do conhecimento e do nivelamento do acesso à
informação. Fetiche tecnológico do momento,
o ciberespaço é o sustentáculo por excelência
do ideal de globalização veiculado pelas novas
tecnologias.
No entanto, é preciso ter sempre presente que estamos
a referir-nos a um mundo virtual, ou seja, a descoberta a que
a Internet convida, a vida nómada que possibilita, é
exclusivamente virtual. Os novos media podem ser, por isso mesmo,
um poderoso incentivo ao comodismo, à inércia,
à insularidade e à sedentarização
reais.
O corpo existe numa determinada
situação que o relaciona com o outro e com o mundo,
mas hoje protagonizamos a deslocação da situação
do corpo, alimentando a tendência para a desintegração
da comunidade dos presentes em benefício dos ausentes,
ao ponto de podermos sentir-nos mais próximos de quem
está longe do que dos que se encontram perto de nós.
Esta perda do outro faz-se em benefício de um corpo ou
existência virtual, situada no ciberespaço.
É claro que aceitar tudo isto implica ter consciência
de que o tempo e o espaço significam algo diferente do
que já foram um dia - e continuam a ser para um mundo
que coexiste com o nosso mas que é muito menos permeável
à inovação e à novas tecnologias,
continuando por isso mesmo a pautar-se pelo ritmo do acontecimento,
de um tempo-evento. O espaço-tempo urbano, se é
que pode ser descrito assim, é cada vez mais uma abstracção,
e tendo em conta que não percepcionamos nada além
desse espaço-tempo, então também a nossa
realidade se vai tornando progressivamente mais abstracta. Isso
significa que condicionalismos clássicos como dia, noite
ou distância já não comandam o ritmo das
nossas vidas. A alteração do elemento espaço-tempo
implica inevitavelmente a alteração da forma como
percepcionamos o mundo, uma vez que é nesses moldes que
a realidade nos é apresentada.
A consciência humana organizou-se
desde sempre numa disposição proporcional ao espaço
e ao tempo da vida quotidiana, situação que permaneceu
relativamente estável até ao aparecimento da electricidade/velocidade.
Imprensa, telegrafia, telefone, rádio, cinema, televisão
e computadores têm vindo a acelerar progressivamente o
ritmo de uma cultura anterior, desintegrando os padrões
culturais tradicionais e modificando irremediavelmente a nossa
visão do mundo.
A um tempo cronológico, contínuo, irreversível,
as novas tecnologias opõem um outro, que assume contornos
tipicamente espaciais. o acento recai agora na convergência
constante entre diferentes períodos de tempo, na imanência
do passado no presente, na reversibilidade, na descoberta de
que pessoas diferentes experienciam frequentemente as mesmas
coisas e de que acontecimentos similares acontecem ao mesmo tempo
em lugares completamente distintos e isolados uns dos outros.
Por sua vez, também o espaço deixa de ser estático
e passivo, passando a ser dinâmico, fluído, ilimitado,
ou seja, assumindo características temporais.
No entanto, neste novo espaço-tempo tecnológico,
o aqui é eliminado em benefício do agora, do momento
presente. De facto, a experiência que temos do tempo consiste,
sobretudo, na consciência do momento em que nos encontramos,
na vivência do hoje, do directo, do agora. Esta emancipação
do presente coloca-nos em risco de perder a referência
das outras duas dimensões do tempo cronológico
- o passado e o futuro, em benefício de uma hiperconcentração
do tempo real que é, na realidade, uma amputação
do volume do tempo. E tal como o tempo, também o volume
do espaço é amputado devido à contracção
a que ambos são sujeitos pela velocidade.
À medida que a consciência
que temos do mundo e do próprio universo se expande, a
imagem mental que temos deles contrai-se. Esta grande contracção
resulta num estranho sentimento de perda - não de uma
perda física mas mental, provocada pela ausência
psicológica de espaço geográfico e de tempo
para estabelecer comunicação.
A conquista do espaço, nos anos 60, foi já um prenúncio
do sentimento de clausura que as novas tecnologias ameaçam
implantar na alma humana. Uma pessoa que vive fechada num espaço
de horizonte restrito não tem a mesma consciência
do mundo que aquele que pode ir aos antípodas e voltar
a qualquer hora. Digamos que a medida do mundo nos dá
a medida da nossa liberdade. Quanto mais depressa vou ao fim
do mundo e volto, mais a minha carta mental fica reduzida, e
mais me sinto enclausurado. Esta angústia provocada pela
consciência do limite é quase um contra-senso, se
tivermos em conta que somos nós que procuramos esses limites.
O ser humano não descansou enquanto não foi à
descoberta tanto do espaço interior como do espaço
exterior, insistindo na busca dos limites do infinitamente grande
(o universo) e do infinitamente pequeno (o átomo, o gene
ou a molécula). Paradoxalmente, a angústia parece
vir-nos não só da consciência do finito como
do infinito...
A nova fronteira é virtual.
Tem um espaço, um tempo, uma realidade próprias,
onde podemos ser o que quisermos, onde teoricamente não
existe desigualdade ou discriminação ou qualquer
tipo de handycap. Mas, sob esta tentadora aparência de
universalidade, o ciberespaço continua a ser exclusivista,
exigindo condições culturais, monetárias,
espaciais e temporais para se lhe dedicar.
Este reino infinito de informação pura, situado
algures na nossa geografia mental, é uma fonte inesgotável
de conhecimento e entretenimento, depositados nas vastas bases
de dados que se estendem em rede por todo o mundo. No entanto,
é preciso distanciarmo-nos para conseguirmos analisar
que tipo de informação e comunicação
nos oferecem os novos media.
O ciberespaço convida-nos a esquecer uma vidinha medíocre
e rotineira, dando-nos a hipótese de sermos quem desejarmos,
de irmos onde quisermos, de estarmos com qualquer pessoa, de
qualquer local do mundo, expurgando assim, numa vida virtual,
mil e uma frustrações reais. Mas é preciso
pensar se vale mesmo a pena assumirmos essa identidade e corpo
virtuais, que nos transforma em meras fantasias, se vale mesmo
a pena deixar de tocar, de olhar, de viver, para apenas existir
no imaginário de alguém. A reflexão é
vossa.
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