É certo que "Fight
Club" não pde deixar de provocar uma certa desilusão.
Sobretudo, e esse foi o maior pecado apontado por alguns espectadores,
porque a parte final do filme encaminha-o para um desenlace suavizante,
quase medroso, como se realizador, produtores e argumentista
receassem as consequências de um discurso sobre a violência
que a exibisse sem a interpretar e a sublimar.
Também não é dificícil concordar
que o filme possui demasiada informação para o
formato típico de Hollywood (não que isso seja
um defeito, pelo contrário, há cineastas que não
se inibem em alongar a duração do filme, sem com
isso afugentar espectadores, como acontece, por exemplo, com
Scorcese ou James Cameron).
Ou seja: "Fight Club" não é um filme
sem mácula, e este texto não pretende justificar
eventuais fraquezas. Pretende apenas, partindo dele, pôr
a nu aquilo que parecem ser dois problemas da crítica
cinematográfica em geral, e da portuguesa em particular:
em primeiro lugar, a tendência para moralizar o juízo
crítico; em segundo lugar, a incapacidade de, muitas vezes,
ligar os objectos cinematográficos com as marcas do seu
tempo. Não podendo expor todos os argumentos em tão
curto espaço, aqui ficam algumas ideias sobre estes dois
pontos.
Há naturalmente um espaço para a avaliação
moral de uma obra de arte, e a crítica, enquanto manifesto
livre da opinião, assente apenas e necessariamente sobre
a argumentação e a retórica, tem todo o
direito a emitir juízos de valor. Aquilo que se apresenta
como pouco aceitável é que, por vezes, esse seja
o critério primordial e condutor. Vem isto a propósito
das acusações de fascismo com que alguns críticos
e analistas se referiram ao filme de David Fincher. Ora, "Fight
Club" não é um filme inocente, decerto nunca
o pretendeu ser e dificilmente o conseguiria ser. O que acontece
é que, por não ser um filme de mensagem explícita,
suscita obrigatoriamente diversos níveis e esforços
de leitura, e qualquer catalogação ou qualquer
etiqueta não só se tornam perigosas como insuficientes
e até abusivas. Aliás, estranho é que um
filme que tão frontal e tão visceralmente questiona
o espaço social, as condições de cidadania
e o ideário da nossa época tenha provocado tão
pouca controvérsia.
Ora, isso não é mais que um sintoma precisamente
do segundo ponto em análise neste texto: cada vez menos
aqueles que falam e escrevem sobre cinema parecem privilegiar
os processos de convergência, divergência e reconversão
com que os filmes se relacionam com a sua época. Se escrevem
sobre um filme mais antigo, o argumento do contexto histórico
parece muitas vezes justificar os mais "enigmáticos"
(para não dizer caprichosos) elogios. Mas, mais frequentemente
que o necessário, são incapazes de pensar os filmes
mais recentes no espaço político e estético
da nossa era; o que se torna tão mais grave quanto o nosso
é o tempo de todas as questões e convulsões.
Assim, quando um filme como "Matrix", que coloca em
cena factos e especulações ontológicas,
tecnológicas e sociológicas em que tanto o nosso
presente como os futuros possíveis estão implicados,
é tão pouco discutido pela generalidade da crítica
portuguesa e dos opinion-makers, algo de estranho se passa.
Crise da crítica, academismo, simplismo, moralismo? Não,
o panorama não é assim tão negro. Pelo contrário,
continua a valer a pena ler alguns críticos portugueses.
Se calhar, necessitar-se-ia uma ampliação de perspectivas
e uma renovação de olhares. Talvez desse modo filmes
como "Matrix" ou "Fight Club" tivessem sido
identificados e avaliados com mais adequação e
pertinência.
Então, no fim de tudo isto, porque vale a pena ver "Fight
Club"? Para além de ser um filme obrigatório
para todos aqueles que gostam de se confrontar com o imaginário,
as certezas e as idolatrias da sua era, é a prova acabada
de que Fincher é um visionário na linha dos grandes
mestres da arte cinematográfica mundial: expressionistas,
obscuras e densas, as suas imagens dão ao seu estilo
qualidades pictóricas absolutamente singulares. "Fight
Club", no seguimento de "Seven" ou "The Game",
não faz mais que o confirmar.
Luís Nogueira
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