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Manter a neutralidade é a atitude mais inteligente que João Paulo II pode ter, mas também a menos satidfatória


Primeira viagem de João Paulo II à Terra Santa
Peregrinação de alto-risco

Apesar de o Vaticano afirmar que esta é uma viagem de paz, a presença do Papa no Médio Oriente está inevitavelmente politizada. Entre tantas e tão diferentes expectativas, a única atitude inteligente é a neutralidade e a diplomacia. Mas será também a menos aplaudida.

O Papa João Paulo II iniciou ontem a mais aguardada e temida de todas as suas peregrinações, rumo à Terra Santa. Durante uma semana, o Papa vai percorrer os locais religiosamente mais significativos da região, passando pela Jordânia, por Israel e pelos Territórios Autónomos da Palestina. Uma viagem de alto risco, tanto a nível político e religioso, como pessoal, devido à fragilidade física do velho pontífice de 79 anos. Espera-se, no entanto, que Karol Wojtyla sobreviva ao pesado fardo que, mais uma vez, colocam sobre os seus ombros.
Apesar de o Vaticano sublinhar que esta viagem, a 91ª fora da Itália e a primeira à Terra Santa, se destina exclusivamente à promoção da paz e da reconciliação entre israelitas e palestinianos, representada pela visita aos lugares sagrados por onde Jesus Cristo terá passado, a politização da sua presença numa das regiões mais complexas do mundo parece impossível de evitar. No entanto, segundo afirmou Joaquin Navarro-Vals, porta-voz do Vaticano, na última Sexta-feira, o Papa deseja apenas "servir a causa da paz e contribuir para levar justiça a uma região que ainda não a conheceu".

Educação esconde hostilidade latente

O Governo Israelita e a Autoridade Palestiniana montaram uma operação de segurança sem precedentes, envolvendo a presença de cinco mil polícias em cada um dos territórios. Em todo o caso, parece não haver razões para temer pela segurança física do pontífice. À excepção de alguns velhos "graffiti" anti-papais em alguns bairros mais religiosos de Jerusalém, a atitude da ortodoxia hebraica à visita vai ser "educada mas com hostilidade latente", segundo escreveu Israel Shahak, um estudioso da religião judaica.
Quanto aos fundamentalistas palestinianos, o líder espiritual do movimento islâmico Hamas, xeque Ahmed Yassin, já alertou os seus fiéis: "O Islão obriga-nos a ser hospitaleiros com os nossos convidados e, por isso, saudamos a visita do papa e esperamos que seja bem sucedida".

Católicos e ortodoxos:
um milénio depois, alguma cooperação

Esta viagem é muito importante a nível religioso, simbolizando o "coroamento de um longo e difícil processo entre judeus e católicos", segundo declarou na Sexta-feira o ministro da Segurança Interior de Israel, Bem Ami. Isto porque João Paulo II é reconhecido por ter, na última década, conseguido sucessivas aproximações ao Estado de Israel, que culminaram com a assinatura de um tratado e o reconhecimento de relações diplomáticas entre 1993 e 94.
A visita do Papa já teve consequências positivas, forçando católicos e ortodoxos a entender-se para criar uma passagem especial para que o Papa possa visitar a Igreja do Santo Sepulcro, local onde Jesus terá estado sepultado. Ao longo de um milénio de separação entre católicos e ortodoxos, é a primeira vez que se unem para qualquer tipo de cooperação.

Politicamente incorrecto

Quanto à conotação política desta sua peregrinação, apesar das muitas e divergentes pressões que o esperam, a provável neutralidade de João Paulo II é a maior prova de sabedoria diplomática que poderá dar.
Israelitas e palestinianos pretendem ambos que o Papa lhes dê razão no conflito político que os opõe. Palestinianos querem inclusivamente que o pontífice beije uma taça com terra da Palestina, em sinal de apoio às reivindicações de independência do Estado Palestiniano.
Em Jerusalém, Belém ou Nazaré, judeus israelitas e árabes palestinianos vão esperar que o Papa admita erros do passado e do presente e que apoie as suas aspirações futuras.
No passado dia 12, João Paulo II pediu perdão aos "nossos queridos e adorados irmãos mais velhos [os hebreus] pela dolorosa realidade histórica (...) da hostilidade de muitos cristãos em relação aos judeu". Mas muitas figuras religiosas judaicas querem mais - querem que o Papa aproveite a sua homenagem no Memorial do Holocausto, em Jesrusalém, para condenar explicitamente o silêncio de Pio XII durante o período nazi e a cumplicidade de católicos romanos com a perseguição e extermínio do povo judeu na Europa.
No entanto, é muito improvável que vejam as suas expectativas satisfeitas, nomeadamente que o Papa associe explicitamente o anti-semitismo e a Igreja. Na ortodoxia católica, a Igreja é infalível, mesmo que os seus filhos não o sejam.

Católicos e refugiados palestinianos
querem direitos reconhecidos

Há outras duas comunidades que reclamam o reconhecimento da sua existência e direitos ao Papa - os cerca de 170 mil cristãos palestinianos, metade dos quais católicos, que representam apenas 2 por cento da população, e os 3,6 milhões de refugiados palestinianos, especificamente os 590 mil que vivem em 27 campos das Nações Unidas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Estes últimos pretendem um apoio inequívoco do papa ao direito ao retorno às sua casas, de acordo com as resoluções da ONU.
Ziad Abass, membro do comité popular do campo de Dahaishad, já declarou que vai colocar uma bandeirola na entrada do campo dizendo "Pai, tu estás atrasado". Eis um ponto em que, pelo menos, judeus e palestinianos parecem estar de acordo. O atraso do pedido de desculpas do Papa tem dois mil anos para os judeus e 52 para os palestinianos, desde que em 1948 foram forçados a fugir para a Palestina. A diferença é que os judeus já encontraram a Terra Prometida - os palestinianos ficaram sem ela.
Entre tantas expectativas antagónicas a que João Paulo II dificilmente poderá responder, espera-se que pelo menos regresse ileso ao Vaticano, e que consiga recuperar a paz depois de descer ao Inferno.






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