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Edmundo
Cordeiro |
O Tempo, rápido:
Proust, um Ferrari
LE TEMPS, vite, é uma exposição interdisciplinar
inaugurada no Centre Pompidou (Beaubourg: www.centrepompidou.fr)
a 13 de Janeiro, pouco depois da sua reabertura. Pode ser vista
até 17 de Abril.
Isto das exposições, e interdisciplinares, muito
pensadas, muito determinadas na construção dos
seus efeitos
parece que têm tudo de anti
arte
e de anti qualquer disciplina
tanto quanto se possa supor
quer dizer, tudo muito artístico e muito disciplinar,
no fundo
parece
diversão
previsível,
em certo sentido
Com umas certas manias que têm graça, umas mais
que outras, todas muito, pois, pensadas
Como a almofada,
um travesseiro, de Christian Marclay, intitulada The Beatles,
1989, feita de fita magnética com canções
dos Beatles gravadas, tricotada em crochet
E exposições no Beaubourg
um lugar popular
e turístico, muita gente por todo o lado
Cinquenta
francos e entrei
Muita gente, é inevitavelmente o que se vê e sente
logo
vêm ver os bonecos, ver os bonecos do tempo
e porque
e porque, diz-se no editorial do catálogo,
cento e cinquenta francos, o qual, já pelo preço
(razoável no entanto), já pelos textos, é
melhor que a exposição
e porque este momento,
o nosso momento, o momento nosso da nossa história, é
um momento cuja questão é, fatalmente (immanquablement),
a do tempo, da sua percepção, do seu uso, da sua
organização, da sua representação
É? Um exposição sobre - sobre? por cima?
a propósito? - o tempo? That's funny
Is Time Long?
Or Is It Wide? Arethingsgrttingbetteroraretheygettingworse? (Laurie
Anderson para estas três perguntas) "Oh better. Much
better. I'm sure of that. It's just that we can't see it. It's
just that i! t happens so slowly." (John Cage)
Pois bem, sim, o tempo está lá representado, com
os objectos que o mediram e medem, com as suas representações,
explícitas, da arte, ou científicas e paracientíficas,
ou rituais
Os objectos científicos e os artefactos
têm o seu valor, não precisam do diálogo
com outras formas de expressão
Em diálogo,
parece que perdem, parece que o conjunto perde
(Só
agora penso no grande relógio de água em bronze
do III ano do Imperador Yan, de Du Zisheng & Xi Yunxing.)
Outras são as imagens e os objectos da arte, outros são
os efeitos de exposição específicos, como
a apresentação do trabalho de escrita e colagem
de Roland Barthes com a sua Câmara Clara, como a leitura
de Proust
De qualquer modo, o tempo desta exposição
não deixa de ser uma verdade! ira imagem do nosso tempo:
mistura
E só por falta de tempo
talvez demasiada
mistura
não damos
não damos?
conta do tempo fora do espaço desta exposição,
na exposição permanente do tempo nas ruas, nas
vidas, na vida, na nossa sentimentalidade
Parece que é
sempre vã (oh! que palavra tão perfurada pelo tempo!)
a espera da palavra vinda do coração
Palavra
designa aqui, pois, outras coisas que não palavras propriamente
e o coração não tem de ser humano, no meu
entender
Apetece-me dizer: vá, saiam daqui, dirijam-se,
andem, ao coração do tempo
não estará
longe
Hesito entre ver o que a exposição mostra e ver
as pessoas que vêem a exposição, as suas
conversas, os seus movimentos, os objectos que mais atraem a
sua atenção, aqueles que suscitam maior indiferença
Ficarei sempre entre uma coisa e outra
Ficarei assim -
talvez - com uma ideia in concreto - I guess - da sentimentalidade
geral - relativamente - e relativamente ao tempo
Sentimental
illusions
Assim, a leitura integral da grande obra (À
la recherche du temps perdu) de Marcel Proust, ininterrupta,
por mais de cinquenta escritores de hoje, um por dia, julgo,
difundida em video numa pequena sala escura, perde relativamente
ao Ferrari Formula 1 de 1996 exposto umas divisões mais
à frente
Divisão social - social? - do tempo
O desejo quer rapidez ou lentidão? Nem uma coisa nem outra,
o desejo quer a sua velocidade
E o Ferrari, pois, é
muito mais a imagem do desejo do tempo, hoje
Mas, também,
o desejo do tempo, e a sentimentalidade do tempo, é sobretudo
desejo da imagem do nosso corpo (o auto-retrato! - a secção
Le Temps, je
da exposição)
O nosso corpo
transforma-se - para melhor, sempre para melhor, acreditemos
em Cage, questão depois de harmonia entre o desejo e a
velocidade
(Quantos pintores - e fotógrafos - não
fizeram auto-retratos? Quantos?) O desejo não pode querer
o que não é, senão está tramado
Guiemos o desejo à sua velocidade! Guiemos o nosso desejo
ao seu Ferrari particular! O Ferrari é múltiplo!
Neste aspecto, a audição da leitura de Proust mostra-nos
muitas saídas
múltiplos Ferraris
várias
velocidades interiores
Mas o que mais me impressionou foi a audição (audição,
mais uma vez) de Le pont Mirabeau, de Gillaume Apollinaire, dito
por ele, num registo sonoro de 1'14, de 1913. Também lá
está o manuscrito do poema. Não o copiei, se não,
reproduzia-o aqui. É belo! É bela aquela voz
com o ruído todo do tempo. Ouvio-o várias vezes
e comovi-me muito
Tenho pena de não o poder reproduzir
Mas há tempe (tempo em creoulo de Cabo Verde).
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