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Etienne-Jules Marey


Etienne-Jules Marey
Movimentos

A exposição "Le mouvement en lumière - Etienne-Jules Marey" está no Espace Electra da Fundação da Electricidade de França, na rua Récamier, em Paris, e tem a colaboração da Cinemateca Francesa: www.expo-marey.com. Diz que está lá até 19 de Março. Fui lá vê-la depois de tomar um café au lait com um croissant ali na rue de Sèvres.


Etienne… antes do cinema… Jules, Etienne-Jules, Etienne-Jules Marey, fisiólogo, médico, biólogo… Antes do cinema, tudo começou com o estudo da circulação sanguínea… La circulation du sang à l'état sain et dans les maladies é o título da sua tese de doutoramento. Etienne-Jules Marey… Nasceu em 1830 e faleceu em 1904, Etienne-Jules… Marey, engenheiro, positivista absoluto, quis fotografar o tempo, o movimento, o tempo dos movimentos, o tempo de cada movimento, o voo dos insectos, o voo dos pássaros - criou para isso a espingarda fotográfica (1882), para metralhar, devolver a imagem do bater das asas dos pássaros… Os seus trabalhos deram de reprodução mecânica e de descrição científica desses movimentos deram novo e decisivo impulso aos engenheiros da aviação… Quis fotografar,! cronofotografar (cronofotografia sobre placa fixa em 1882), o trote de um cavalo, a marcha humana, os movimentos de luta, a engenhosa queda dos gatos… Quis fotografar… não, não… quis registar graficamente! Ele tinha inventado, jovem, o sphygmographe (1860), logo no início dos seus trabalhos, que registava no papel os batimentos do pulso… Quis decompor, positivista absoluto, o movimento dessas máquinas todas, insectos, pássaros, animais, homens… (Foi titular da cadeira de História Natural dos Corpos Organizados, no Colégio de França, com trinta e nove anos, não é brincadeira…) Ele construiu máquinas extraordinárias para descrever graficamente os movimentos e outras tantas para obter as imagens dos movimentos. Com isso obteve… isso mesmo, imagens do movimento, extraodinárias imagens que não se contentam em ser referenciais, malgrè lui…
O cinematógrafo (1895) dos irmãos Lumière viria na sequência do projector cronofotográfico (1892), dele e do seu assistente Demenÿ, mas não era bem isso, não era mesmo isso o que ele queria… "Não me metam na engrenagem do cinematógrafo." (Mannoni, Laurent, Etienne-Jules Marey, la mémoire de l'œil, Éditions Mazzotta/Cinemateca Francesa, Milão, 1999.) Mas tinha de ser. Com a cronofotografia, interessando-se pelo instante qualquer do movimento, procurando aproximar-se desse instante impossível de registar que é começo do instante seguinte e final do instante anterior… com essa técnica, todo o sentido era o da análise e não o da restituição da percepção normal… Queria lá saber disso, se o que lhe interessava era ver mais que o normal! Isso era bom para os Lumière! E! foi. Pois era impossível reter o germe da restituição do movimento, e foi essa restituição, mais do que as suas imagens de movimentos elementares petrificados, trinta anos antes do Futurismo, que nos permitiu ter consciência, quer dizer, transformar a nossa consciência do movimento e das relações do nosso corpo que se move com os outros corpos que se movem… É que a restituição da percepção normal não é a percepção normal… Foi essa restituição que nos permitiu obter a verdadeira imagem do movimento… e em simultâneo a reprodução da sensação do tempo que passa que constitui o cinema… o pânico… o nosso pânico quotidiano… repetição da reacção dos primeiros espectadores de L'arrivée d'un train en gare de La Ciotat dos irmãos ! Lumière… Pânico e maravilha, que experimentamos com a visão destes pequenos filmes, feitos em nitrato de celulose e que se desfazem facilmente com o tempo, vertidos agora para o suporte em película de 35mm graças à tecnologia digital…
Mannoni assinala o vaivém entre os diferentes métodos de Marey: o gráfico acompanha o cronofotográfico que acompanha o desenho que acompanha a figura tridimensional… diz ele que algumas figuras são de uma modernidade evidente, como se tivessem saído de um atelier de Duchamp ou Picabia… Não deveríamos dizer antes o contrário? O Nu descendo as escadas (1912) de Duchamp, mais que uma influência do cinema, tem origem "nessa coisa do Marey", como ele reconhece… Evidentemente, no caso, trata-se de uma maneira analítica de a pintura fazer cinema, analítica, porque, cinema, a pintura fê-lo desde sempre, e, movimento, a pintura restituiu-o desde sempre… dado que esta tem muito mais que ver com o movimento que a fotografia… a qual, tão ou mais poderosa ainda, petrifica o movimento qualquer, o "espectro impalpável que se esvanece mal se apercebe" (Nadar)…

Edmundo Cordeiro






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