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"Devido à baixa pressão atmosférica e à dispersão do oxigénio, temos que inspirar e expirar quatro vezes por cada passo, e já não conseguimos pensar correctamente"


Primeiro português no topo do Everest veio à Covilhã
"A vitória é chegar cá abaixo são e salvo"

O alpinista português que subiu ao "tecto do mundo", falou da aventura, de escalada em geral e da sua experiência em particular. Numa palestra inteligente respondeu a todas as questões de forma tão simples quanto brilhante e esclarecedora

O conhecido alpinista português, João Garcia, que recentemente escalou o topo do Monte Everest
(8848 m) esteve na cidade da Covilhã para uma palestra sobre a sua aventura. O evento, organizado pelo INATEL e apoiado pelo Grupo de Montanha do Clube Nacional de Montanhismo (CNM), teve lugar na sala desportiva do Oriental de S. Martinho. As cerca de duas centenas de pessoas que por ali pararam, viram e ouviram, maravilhadas, o relato da aventura do português que subiu mais alto que qualquer outro.
A conferência começou com uma pequena palestra de João Garcia, que, curiosamente, iniciou a sua carreira de alpinista, aos 15 anos, na Serra da Estrela, e prosseguiu com intervenções de personalidades ligadas ao INATEL e ao CNM. A assistência teve oportunidade, depois, para observar a projecção de fotos e um pequeno filme sobre o Everest e sobre a aventura do alpinista português. Imagens impressionantes, recolhidas antes e depois dos incidentes que envolveram a sua subida ao pico mais alto do mundo, e que, além de profundas lesões corporais, incluem a perda do seu companheiro de escalada, Pascal Debrower.

No "tecto do mundo"

Os mais curiosos puderam, em seguida, e durante cerca de hora e meia, satisfazer todas as dúvidas em relação à escalada e à odisseia particular do alpinista português. Com inteligência e voluntariedade, Garcia respondeu, explicou e simplificou os termos técnicos.
Sem preconceitos nem constrangimentos, abordou assuntos sensíveis como a morte de Debrower, ou a perda de consciência, que o levou a ignorar indicações do acampamento base dando conta de más condições atmosféricas: "Disse coisas, via rádio, para o acampamento, que em condições normais não diria", explica. Mas as condições a 8000 metros de altitude "não são normais". "O ar é seco", diz Garcia, "e por cada vez que expiramos, estamos a desidratar": "Devido à baixa pressão atmosférica e à dispersão do oxigénio, temos que inspirar e expirar quatro vezes por cada passo, e já não conseguimos pensar correctamente". Este facto poderia não ser relevante se o alpinista português tivesse decidido fazer a escalada utilizando botijas de oxigénio. Sem arrependimentos, João Garcia responde: "Foi uma opção ética. Já cerca de 1200 pessoas escalaram o Monte Everest mas apenas 60 o fizeram sem a ajuda do oxigénio".
Quando questionado sobre a sensação de estar no cume o alpinista salienta de forma surpreendente: "Não há tempo para apreciar nada. Quase não se consegue respirar, as únicas sensações são de cansaço e preocupação na viagem de regresso. O cume é apenas o meio do caminho. A vitória é chegar cá abaixo são e salvo, pousar, finalmente, a mochila e sentar-mo-nos a beber qualquer coisa quente, enquanto contamos a experiência aos companheiros".
Qual poderá ser a meta seguinte para um alpinista que já atingiu o ponto mais alto da Terra? Segundo João Garcia, "acabamos sempre por encontrar novos horizontes. Formas de nos superarmos a nós próprios, indo mais longe, mais alto ou mais rápido".
Devido às lesões sofridas, o alpinista prevê ficar parado durante alguns meses, para recuperação. Mas, logo que se torne possível, revela, " gostaria de levar uma equipa de alpinistas portugueses a um cume de 8000 metros. Desta vez como chefe, como responsável de um grupo, o que para um alpinista é uma espécie de promoção".

Alexandre S. Silva
NC / Urbi et Orbi
Foto: Helder Alcaparra






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