Os talkers e o IRC ganham cada vez mais adeptos |
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Alunos da UBI nos Talkers e no IRC
Engate cibernético:
You've got mail à portuguesa
Amados por uns e desprezados por outros os canais de IRC e os
endereços de Talkers da Telnet vão ganhando cada vez mais adeptos
dentro da Universidade da Beira Interior e, apesar da função que cada
utilizador lhes atribui, todos lhe reconhecem um carácter quer lúdico
quer formativo quer psicológico.
Há pouco tempo estreou nos cinemas portugueses um
filme de Nora Ephron com Meg Ryan e Tom Hanks nos principais papéis.
"Você tem correio" - assim era a tradução de uma
frase que adquire muito maior significado na língua original:
"You've got mail". O argumento era o de duas pessoas que se
correspondiam, sob um pseudónimo (Nickname ou alcunha), pelo correio
electrónico e um canal de IRC (Internet Relay Chat). O argumento
desenvolve-se e eles acabam por se apaixonar antes de saberem que do
outro lado está o seu inimigo número um da vida real. Felizmente, para
os românticos, a história têm um final feliz e os protagonistas
viverão happily ever after mas, e se o filme tivesse sido realizado por
David Lynch e do outro lado estivesse o avô da Meg Ryan ou a filha do
Tom Hanks?
Lucifer é a alcunha de um aluno do curso de
matemática. Desde que cá chegou, há cerca de três anos e meio,
sempre esteve ligado aos talkers e só mais tarde ao IRC. Segundo ele
"casos como o do filme vêem-se quase todos os dias... é o engate
cibernético!" - como ele gosta de lhe chamar. Ele próprio já
passou por várias experiências: "Por vezes estamos a dar conversa
de engate uns aos outros e passadas duas horas é que nos apercebemos
que a pessoa está na mesma sala que nós. Depois passamos mais duas
horas a tentar descobrir qual... normalmente é a pessoa que, tal como
nós, está, de pescoço erguido, a olhar em todas as direcções.
Depois fartamo-nos de rir e gozar um com o outro. Agora isso já não
acontece muito por aqui, pois cada um sabe as alcunhas de todos os
outros, mas de vez em quando alguém se lembra de entrar com uma alcunha
diferente e não há maneira de saber de onde é que está a teclar".
Lucifer, de 25 anos, nunca se apaixonou por ninguém através da Net.
Já ficou curioso, intrigado, e até atraído... mas nunca se apaixonou.
A principal razão é que "...quer queiramos quer não, não há a
mínima certeza de podermos confiar na pessoa que está do outro lado. E
o pior não são as "petas" sobre o aspecto físico, é a
imagem interior que se tenta transmitir. Eu posso gostar muito daquilo
que alguém, que eu não conheço, me está a dizer mas... como é que
sei que é isso mesmo que essa pessoa pensa sobre esse assunto? Como é
que eu sei que ele ou ela não está a dizer isso pela simples razão de
estar na Internet e poder dizer aquilo que bem lhe apetece porque não
pode ser identificado?".
Pernambuco, 24 anos, aluno de informática, não foi tão cauteloso.
Após algumas horas de conversa com Wendoline no canal Portugal do IRC,
ficou "completamente apaixonado". Fizeram declarações
amorosas via Net, e até marcaram encontro no Porto: "A surpresa
foi quando me sentei na esplanada combinada, no Via-Catarina, e veio ter
comigo uma moça de 14 anos. Tentei ser simpático e não me mostrar
desiludido, mas a verdade é que estava completamente lixado".
O caso mais feliz é provavelmente o de Triston e Bejecas, dois alunos
da UBI que já se conheciam dos corredores da universidade mas só
começaram a namorar quando se encontraram no Transilvânia (Trans), um
talker administrado por alunos veteranos da UBI.
Rhodes, 26 anos, aluno de Ciências da Comunicação é assíduo
utilizador de IRC e, segundo ele, é dos poucos que não utiliza a rede
para "engatar": "...não acho nenhuma piada às conversas
de chacha e de engate. Quando entro no IRC já sei onde quero ir, com
quem quero falar e sobre o que quero falar". Rhodes frequenta
apenas canais específicos sobre um qualquer assunto que lhe interesse:
música, filosofia contemporânea, cinema, computadores, etc. "Gosto
de conhecer pessoas novas sim, mas quando começam com aquelas tretas de
engate desligo logo. Ultimamente falo muito com um tipo que é um expert
em Linux (um sistema operativo alternativo ao Windows) para tirar
algumas dúvidas e com várias pessoas em Portugal e no estrangeiro que,
tal como eu, são adeptas das teorias de Robert Anton Wilson. Trocamos
ideias, debatemos assuntos e aprendemos uns com os outros. Não vejo
nenhuma utilidade, a não ser a de escape emocional, nas habituais
conversas da treta". Com efeito, e neste ponto a opinião é quase
unanime, a utilização de meios informáticos de comunicação
instantânea pode ser um escape à "vidinha" do dia-a-dia.
"Tu podes ser quem quiseres..." - diz Luna, 20 anos, aluna da
Faculdade de Economia do Porto (FEP) e habitual utilizadora do Trans -
"...podes ser loira, mulata, morena, podes ter um metro e oitenta
ou um metro e meio, podes ter 15 ou 50 anos, e podes, acima de tudo, ter
a certeza que ninguém irá questionar o que dizes porque ninguém pode
provar o contrário".
Vidar, 22 anos, aluno de EPGI, é outro dos "resistentes" ao
engate cibernético. Com várias contas abertas em inúmeros sites
internacionais da Telnet, diz desprezar o tipo de conversa que a maioria
dos utilizadores pratica. Conhece várias pessoas e gosta de conversar,
mas daí a pensar envolver-se num qualquer tipo de relação que não
seja o de convívio ou até amizade, vai um grande passo. "Conheço
pessoas na Europa e na América. Gosto de conhecer pessoal novo e de
conversar sobre assuntos actuais... sobre aquilo que se lê no jornal.
Por vezes sou surpreendido: há pouco tempo estive a falar com um rapaz
da Letónia que, sem nunca ter vindo a Portugal (presumo eu), conhecia
de trás para a frente a história dos Descobrimentos portugueses e
alguma coisa da geografia portuguesa... ora eu, na altura, nem sabia em
que canto da Europa ficava a Letónia. Doutra vez falei com um tipo
americano que sabia algumas palavras de português porque a namorada
estudava brasileiro na Universidade". São estas pequenas coisas
que fazem Vidar perder em média duas horas por dia na sala de terminais
do Pólo I da Universidade. Mas duas horas por dia não é a média de
toda a gente que utiliza os terminais. "Há pessoal tão viciado
nisto que até faltam a um dia inteiro de aulas para estarem nos
talkers..." - afirma Lucifer, e continua - "...chegam a gastar
mais tempo aqui, a viver uma coisa fictícia, do que a viver a própria
vida real. Quando não estão no Talker estão a falar do Talker... e
isso chega a ser deprimente!"
Deprimente é exactamente o adjectivo que as pessoas que não costumam
usar, ou nunca usaram, semelhantes meios de comunicação utilizam para
os qualificar. Mário Carvalho, 19 anos, aluno de C. Comunicação, diz
não entender esta "perda de tempo". "Se eu quero falar
de música falo com os meus amigos, se quero falar de desporto faço a
mesma coisa. Os amigos são as pessoas com quem convivemos no dia-a-dia,
e que estão ali quando temos um problema. Pelo tom das suas palavras e
pelas expressões do seu rosto avaliamos a atenção que nos dão e o
quanto se interessam por nós... como posso ter a certeza disso através
de palavras escritas num computador por uma pessoa que eu nunca
vi?".
Ana Margarida, 24 anos, aluna de Química, declara-se céptica quanto à
possibilidade de, através de um terminal, iniciar uma relação
afectiva de qualquer tipo: "...por mais que as pessoas imaginem
quem está do outro lado através dos dados fornecidos por essa segunda
pessoa, nunca poderá ter a certeza. Uma amizade só pode ser conseguida
com base na confiança e só um ser ingénuo acredita em tudo o que o
que lhe dizem".
O que é verdade é que contra descrentes e indiferentes os canais de
chat proliferam na Net e os sites de Talkers na Telnet. Uns mais
específicos e restritos, outros mais eclécticos e gerais, há-os para
todos os gostos, vontades e disposições e, a tendência é para
aumentarem. Quanto à possibilidade de uma relação afectiva entre
correspondentes cibernéticos... bem, isso depende dos actores.
Alexandre Salgueiro Silva
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