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Democracy is watching you: o fim da privacidade
Hélder Prior · quarta, 27 de novembro de 2013 · @@y8Xxv Sentado na minha secretária podia espiar qualquer pessoa, tu ou o teu contabilista, um juiz ou até mesmo o Presidente, desde que tivesse um endereço de email. Edward Snowden |
21973 visitas A revelação, nos últimos meses, dos extensivos programas de espionagem levados a cabo pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, fundada em 1952 pela administração Truman em plena Guerra Fria, intensificou as preocupações e o debate público sobre o tema da erosão da privacidade. Segundo revelou o ex-analista da Agência Central de Inteligência, comummente designada por CIA, Edward Snowden, aos jornais The Guardian e The Washington Post, o programa Prism da NSA permite que os serviços secretos norte-americanos acedam, sem constrangimentos legais, ao conteúdo de emails, de chats, de históricos de pesquisa e de outras “pegadas digitais” armazenadas em empresas como a Microsoft, o Facebook, a Apple, a Google ou o Youtube. Esta situação de vigilância electrónica generalizada tornou-se possível depois do chamado USA Patriot Act, um sistema legal criado após os atentados do 11 de Setembro e que permite que a sociedade hodierna se aproxime, vertiginosamente, do mundo distópico que o génio de George Orwell concebeu no romance Mil novencentos e oitenta e quatro. Todavia, e apesar das revelações perturbadoras que nos chegam diariamente, convém referir que a história dos dispositivos de espionagem tem já alguns séculos. Em A vida dos homens infames, Michel Foucault conta-nos como nos séculos XVII e XVIII o poder soberano colocou à disposição dos súbditos dispositivos de espionagem como as lettres de cachet, um mecanismo de poder fundado na denúncia, na delação, no interrogatório ou na queixa onde as acções indesejáveis ou insurrectas dos súbditos eram oferecidas, pelos próprios súbditos, ao poder administrativo, permitindo quer a ubiquidade do monarca, quer a inserção da soberania política no nível mais elementar do corpo social. Por outro lado, sabemos como o sistema global de espionagem Echelon, criado durante a Guerra Fria pela NSA em conjunto com organizações governamentais de Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, capta e analisa virtualmente todos os telefonemas, faxes, emails e mensagens via telex enviadas de e para qualquer parte do mundo. Estes sistemas de vigilância electrónica, cada vez mais intrusivos na esfera privada dos indivíduos, são um produto do chamado Estado Securitário, um Estado que visa a segurança da população através da previsão e antecipação dos riscos. Trata-se de uma gouvernementalité biopolítica que incide sobre a vida dos indivíduos e que procura controlar a imprevisibilidade e a aleatoriedade que caracteriza o nosso tempo. Efectivamente, após os atentados às Torres Gémeas intensificou-se um imperativo geopolítico securitário cuja grande prioridade é a segurança nacional, a protecção dos cidadãos face a tudo aquilo que, como antecipou Michel Foucault, possa ser “incerto”, “imprevisível”, “danoso” ou “arriscado”. Segundo documentos da própria NSA, a que o jornal francês Le Monde teve acesso, os serviços de segurança americanos acederam de forma “sistemática” aos registos de milhares de cidadãos franceses, facto que levou o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros a referir que “este tipo de práticas que põem em causa a vida privada são totalmente inaceitáveis entre parceiros”. O diário refere que a NSA interceptou, num período de 30 dias, 70, 3 milhões de dados telefónicos de cidadãos franceses, isto depois da revista alemã Der Spiegel ter revelado que a União Europeia é um dos principais alvos dos programas de espionagem dos Estados Unidos, referindo que os serviços de segurança norte-americanos estão especialmente atentos a assuntos de política externa, comércio internacional e estabilidade económica da União Europeia e, sobretudo, da Alemanha. Ao que parece, nem a própria chanceler alemã, Angela Merkel, escapou ao “olho do poder” americano. Com efeito, o enquadramento legal criado pós 11 de Setembro lançou, de facto, os alicerces da eliminação sistémica e sistemática de liberdades cívicas, como o direito à reserva da intimidade da vida privada, sob a égide do pacto de segurança. Numa sociedade obcecada pela visibilidade e pela opticização, a ideia de privacidade converteu-se em algo obsoleto. Não só os Estados e as grandes companhias de Internet recolhem e armazenam informações sobre os indivíduos, como são os próprios indivíduos que se “oferecem” ao “olho público”. Pensemos, por exemplo, no Facebook ou em programas televisivos como o Big Brother (reality show inspirado no romance de Orwell), como palcos de exposição e de representação onde os indivíduos satisfazem a sua necessidade de serem vistos em troca de “relações sociais mediadas”, no primeiro caso, e de alguns minutos de fama, no segundo. De facto, a inquirição sobre o público e o privado readquiriu actualidade, prefigurando novas etapas de debate teórico e empírico muito interessantes. As transformações do público e do privado estão, precisamente, a ser analisadas por investigadores do LabCom. O projecto “Público e Privado nas comunicações móveis” aborda as imprecisões e interpenetrações entre as duas esferas, procurando traçar as novas fronteiras que se erigem entre a esfera pública e esfera privada. A visibilidade e a observação constituem, de facto, elementos incontornáveis das sociedades contemporâneas e os ataques à privacidade tornaram-se num “cancro social”, como tão bem sublinhou Umberto Eco. Posto isto, remeto as minhas palavras à vossa “vigilância”, “observação” e “intromissão”. |
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