Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Pequeno comércio da Covilhã vive entre a crise e a oportunidade
Joana Gabinete e Liliana Santos e Gabriela Henriques e Luís Felício e Luísa Letras e André Mota e Cristian Sclifos e Joana Vilar e Luís Almeida e Raquel Faro e Catarina Silva e Sara Esteves e Soraia Ferros e Nuno Miguel · quarta, 19 de dezembro de 2012 · Continuado Se há alguns anos os comerciantes disputavam uma banca no Mercado Municipal da Covilhã, hoje isso já não é um problema. A gente vinha às seis da manhã para apanhar um lugar na frente. Agora até há lugares vagos, exclama Hermínia, comerciante de frutas e legumes. A banca localizada numa zona de concentração de comerciantes destaca-se do restante espaço da praça, praticamente vazio a uma terça-feira. Familiarizada com o silêncio, Hermínia já só tem na memória a praça barulhenta a que se dedicou toda a vida. |
O pequeno comércio marca presença nas ruas do centro da cidade |
21975 visitas Mária Bárbara, comerciante de frutas e legumes há 32 anos, lamenta o abandono da praça: “Há menos pessoas a comprar e a vender”. Além de apontar o dedo às grandes superfícies, que diz condenarem o comércio tradicional da Covilhã a um declínio irremediável, é com tristeza que vê as caras de clientes a diminuir com o passar do tempo. “As pessoas de idade é que vêm ao mercado. E elas vão morrendo”, constata a vendedora. Já os jovens fogem para as grandes superfícies, dizem os comerciantes da praça. Mas nem todos vão aos hipermercados. Algumas lojas da zona antiga atraem muitos dos estudantes que povoam as ruas íngremes da cidade durante a época escolar. Por detrás da porta que protege dos ventos frios da serra, Carlos Canário afirma que “as coisas têm corrido bem” no supermercado familiar que existe há mais de meio século. As grandes superfícies, surgidas nos anos 90, obrigaram o estabelecimento a reduzir o leque de oferta e a adaptar os produtos às necessidades dos clientes. Mas com o trunfo da localização perto da universidade, o supermercado apostou na relação próxima com os seus clientes. Os funcionários chegam a ter relações de amizade com estudantes, que são os principais clientes. Hoje esta pequena “família comercial” conta com quatro empregados, que outrora também foram clientes, ainda antes de haver grandes superfícies na Covilhã. A funcionária mais antiga, Cristina Santos, diz que “as pessoas precisavam de uma loja maior, porque na altura não havia hipermercados e as lojas eram muito pequeninas”. Por isso, em 1987, o supermercado Canário mudou de instalações e cresceu. O aumento gradual do poder de compra dos covilhanenses, a partir da entrada de Portugal na CEE, em 1986, deve ter contribuído para a mudança. O salário médio dos trabalhadores do concelho equivalia a 132 euros, em 1985, segundo dados do Pordata. Em 2009 o mesmo ordenado passara a ser de 806 euros. Agora, com a crise, a funcionária Cristina Santos vê outra oportunidade de expansão. “As pessoas têm tendência a voltar ao comércio tradicional, porque nos hipermercados tenta-se incutir a compra, com as promoções, e as pessoas fogem um pouco. Por outro lado, o atendimento nas grandes superfícies é mecanizado, tipo robot”. O dono do supermercado, Carlos Canários, argumenta: “Nós aqui somos médicos, conselheiros, pais, fazemos um bocadinho de tudo”. As flores, os peixes e os pássaros fazem parte da vida de Dulce há mais de 30 anos. A florista esconde a preocupação atrás do sorriso com que recebe quem entra. “Nas flores está esse ânimo”, conta. Mas os adornos florais são um bem supérfluo, portanto as vendas têm diminuído. Na conjuntura atual, a florista estima as baixas em 50 por cento. Como outros pequenos comerciantes, Dulce diz-se prejudicada pelo aparecimento dos grandes centros comerciais, mas sente que os clientes começam a dedicar-se um pouco mais ao comércio tradicional. Só que lhe parece ser “um bocadinho tarde”. Na florista Rosmaninho é sempre Primavera. As flores dão o cheiro, os pássaros o som de fundo e os peixes perderam memória da sua função. Sob o olhar desconfiado do marido, a proprietária narra os dias difíceis que o negócio enfrenta. O que vai mantendo a loja são os clientes consagrados, mas mesmo esses já não compram para festas. “Neste momento estou mais ligada a funerais”, explica Dulce. A florista espera que “com a queda da folha haja um pouco mais de procura”, pois nem o Natal incentiva à compra de flores. Para 2013, Dulce confirma que “as expectativas são péssimas”. “Vamos tentar aguentar-nos com os clientes que temos”, conclui a florista. O negócio está especialmente difícil para bens que não são de primeira necessidade. Noutra rua estreita da Covilhã antiga, existe um lugar com essências cruzadas, uma loja recheada de perfumes. Este espaço, em tempos muito activo, passa agora por tempos mais difíceis. O pequeno comércio, apesar de mais atencioso e personalizado, tem sido substituído pelas grandes superfícies, mais cómodas. Helena Saraiva, funcionária da perfumaria, diz que agora os clientes preferem um local onde é possível obter tudo o que se procura num só espaço. E retrata outras épocas natalícias com nostalgia. “Estamos aqui há 20 anos e nesta altura do ano eu não podia estar sozinha. Chegámos a ser cinco pessoas a atender e a loja sempre cheia. Agora, praticamente faço o Natal sozinha”, lamenta. Contrariando o fecho de muitas lojas locais devido à abertura de grandes superfícies, Sofia Alves e Joaquim Silva decidiram arriscar, montando negócios novos em plena crise. “Obrigado e volte sempre”, diz Sofia Alves, sorrindo a um cliente, na frutaria que abriu há um ano na Fonte das Galinhas, bem no meio da Covilhã. “Apareceu esta oportunidade e achei que era um bom local de passagem”, conta a pequena comerciante, acrescentando que não se pode queixar de falta de clientes. “As pessoas preferem comprar certas coisas, como os frescos e o pão, em locais de confiança”, explica. No espaço ao lado, está Joaquim Silva, dono de um novo minimercado. “Abri o espaço em Setembro”, relata, confiante na localização do comércio tradicional na zona antiga da cidade. “O negócio é muito melhor aqui. As pessoas continuam a morar mais cá em cima e por uma questão de mobilidade continuam a procurar-nos”, argumenta. Joaquim não deixa de se queixar da abertura de grandes superfícies comerciais na Covilhã, nem de lamentar a crise que contribui para o fecho de lojas locais. No entanto, afirma que os minimercados têm tendência a sobreviver, pois os bens essenciais continuam a vender-se. Já produtos mais supérfluos tendem a ser cortados das listas de compras. “Ninguém pode comprar tudo”, remata o comerciante. Para dinamizar o comércio tradicional, o município tem em vigor, desde Junho, um programa de apoio. A autarquia subsidia até um máximo de 200 euros as rendas de espaços comerciais que sejam reabertos no centro histórico. Até ao momento foram aprovadas seis candidaturas. |