A procura por um estilo de vida mais saudável está a fazer aumentar o número de adeptos de uma dieta vegetariana. São 120 mil o número de vegetarianos em Portugal, um número que só numa década quadruplicou, o que levou a que o país se tenha ajustado a este aumento de pessoas que optam por manter fora do prato o peixe e a carne.

E é numa das ruas movimentadas pelos estudantes no centro da cidade da Covilhã que nasceu, em 2012, para a promoção de uma alimentação saudável e alternativa, um novo espaço, o Ananda Café. Um lugar de encontro com diferentes culturas, onde o café que é servido e outros produtos usados na confeção dos pratos são provenientes da agricultura biológica.

O que é possível devido a um dos projectos da Associação Ananda Marga, uma organização mundial com centros de actividades espirituais e sociais ramificada por diferentes países, que instalou o seu projecto Unidade Mestre Ananda Kalyani numa das regiões da Serra da Estrela, mais concretamente na vila do Paúl. Aí, dispõem de uma produção agrícola biológica com uma área de dois hectares que se guia pelo compromisso com a saúde e a ecologia, produzindo alimentos sem pesticidas nem fertilizantes químicos.

Foi através deste projecto que Shila Serrano largou a vida que tinha em França e se aventurou até terras portuguesas. Vegetariana desde os seus 18 anos e com uma paixão pela cozinha, assumiu juntamente com o seu filho Jishnu Verdier a ousadia de inaugurar o primeiro e único espaço vegetariano na cidade, um espaço de que “a Covilhã necessitava” na perpectiva de Jishnu.

Uma onda alternativa que cresce cada vez mais e se propôs a fazer também a diferença na cidade neve. “A Covilhã está aos poucos a preparar-se para esta mudança. De início as pessoas só comiam carne e peixe, mas como para conhecer algo diferente é preciso tempo, os nossos clientes agora procuram-nos por sermos diferentes”, revela. Mudança essa pela qual Jishnu não teve de passar, vegetariano desde o seu primeiro dia de vida por ter nascido numa família de leguministas, não sabe o que é ter de matar para comer.

E é por esta razão que Kristina Pavlova, voluntária no Ananda Café, decidiu tornar-se vegetariana ainda com onze anos de idade. O amor por seres tão indefesos fez-lhe sentir repúdio pela carne e pelo peixe. “Sempre que às refeições via que era carne, eu olhava e não conseguia, não sou capaz. Adoro animais!”, exclama aflita a búlgara.

Um lado espiritual

É necessário viajar até ao continente asiático para ficar a conhecer-se melhor a história da filipina Shila Serrano. Foi nesta Républica, um vasto arquipélago da Insulíndia, que Shila se tornou vegetariana por razões espirituais. “Decidi tomar esta decisão, primeiro por causa das minhas práticas de meditação, pelo yoga, e depois também por uma questão de saúde”. Envolta numa região propensa a terramotos e tufões, localiza-se próximo da linha do Equador, nas Filipinas os jovens desde cedo se definem como pró activos.

E Shila não foi exceção, os seus fins-de-semana eram passados a fazer serviço social, juntando-se a todos os outros de maneira a agir em prol da sociedade. “Ajudávamos nas missões das favelas, agíamos sempre de forma a ajudar as pessoas em situações de calamidade como quando ocorriam terramotos e furacões na cidade”, explica. Foi dentro deste movimento que descobriu uma filosofia de vida socio-espiritual, cujos princípios passam por dedicar a vida ao ensino do yoga, da meditação e ao serviço da humanidade, além de ajudar a construir uma sociedade saudável.

"É uma organização ao serviço da sociedade e do nosso eu”.

Jishnu

O Ananda Café não é só um restaurante, ele faz parte desta filosofia de vida, é “uma organização ao serviço da sociedade e do nosso eu”. Para Jishnu não é possível falar-se num sem o outro, é necessário haver antes um equilíbrio entre os dois. “Organização para descobrir o nosso interior, estar dentro de nós, desligarmos do dia-a-dia e concentrarmo-nos na nossa felicidade”. Concluindo que “através da meditação somos um ser humano melhor e, como tal, servimos também melhor o outro”.

Para filho e mãe a meditação é a base da organização. E como não poderia deixar de ser, consigo trouxeram também estas suas práticas de meditação. O Ananda Room, situado por cima do restaurante, é o espaço que dá lugar às aulas de yoga, todas as terças-feiras. Frequentam estas aulas alguns clientes, mas parece que a grande comunidade de estudantes de ERASMUS da Universidade da Beira Interior é quem se converte cada vez mais. “Neste momento, frequentam as aulas muitos estudantes, bastantes estudantes brasileiros que não frequentam o restaurante, mas vêm participar nas nossas aulas de yoga e meditação”, congratula-se Jishnu pelas suas práticas estarem a expandir-se pela cidade.

Sentada numa das mesas do seu restaurante, depois de mais uma hora de almoço a satisfazer os pedidos dos seus clientes, Shila Serrano recorda o que teve de passar para chegar até aqui. “Sabia que tinha jeito para a cozinha e precisava de fazer alguma coisa para me integrar na sociedade portuguesa”. Um jeito natural que sentiu necessidade de aprofundar através de cursos na área da restauração, além de um curso especificamente centrado na comida vegetariana. Mas relembra que mais importante do que aquilo que aprendeu é o que vem da alma na hora de cozinhar. “O básico não é a receita que se encontra nos livros ou na internet, mas antes a criatividade que temos dentro de cada um de nós”.

É a mensagem que Shila transmite aos seus aprendizes, pois a experiência acumulada permite-lhe agora ensinar a cozinha vegetariana. “Ainda ontem convidaram-me para dar um workshop de cozinha na Escola Profissional do Fundão”, revela com entusiasmo. Mas não se fica por lecionar workshops em escolas, os festivais de Verão aproximam-se e o objetivo é dar seguimento às ações do ano transato. “Faço parte de uma equipa que percorre os festivais de verão como o Andanças e dou-lhes o meu apoio culinário”. O convite para os próximos festivais também já foi feito.

"O básico não é a receita que se encontra nos livros ou na internet, mas antes a criatividade que temos dentro de cada um de nós”.

Shila Serrano

É sempre a pensar nos outros e com uma paixão indubitável pela cozinha, até porque para esta filipina não há como cozinhar sem paixão, que tenta sempre ajudar a solucionar os problemas dos seus clientes. “Presto atenção ao problema de saúde de cada pessoa de maneira a não dar o que lhe pode fazer mal”, conta. E é por este motivo que o restaurante se foi transformando, com o passar dos anos, num restaurante 95% vegano, não totalmente, ainda, pois Shila confessa, que embora pouco, por vezes utiliza um “pouquinho de lacticínios”. É por compreender as necessidades dos seus clientes e por não querer que lhes falte nada que decidiu tomar esta decisão.

Decisão essa que fez com que ela própria se tornasse vegana de há um ano para cá. Neste seu novo estilo de vida, Shila além de excluir a carne e o peixe da sua alimentação, vai mais longe excluindo totalmente o consumo de qualquer tipo de produto de origem animal. Uma escolha alimentar que visa minimizar o sofrimento alheio, o que é válido no caso dos animais como do meio-ambiente, visto que não consome absolutamente nada que envolva o uso de animais, o que inclui o próprio vestuário “Não vou comprar roupas de peles de animais quando há várias alternativas”, afirma.

"Por vezes a uma receita internacional juntámos algo local, como a couve portuguesa".

Jishnu

Alimentação diferenciada

Substituir o frango pela soja e o bife pelo tofu, nem sempre é fácil. Que o digam estes empreendedores quando tentam procurar pela Covilhã o que é preciso para confecionar as suas iguarias*. “Nem tudo se vende na Covilhã. Procuro essencialmente em Lisboa e quando viajo para outros países encontro sempre coisas diferentes”, confessa a mãe de Jishnu. São muitas as especiarias indianas que dão um toque especial aos seus pratos internacionais, mas é essencialmente no Martim Moniz, o palco do “Mercado de Fusão”, onde Jishnu encontra os produtos internacionais que procura.

Guiados pelo conceito de comida internacional, Shila revela que produz uma fusão de receitas. “Não há uma receita típica, mas várias. Por exemplo, a feijoada do Brasil e a feijoada portuguesa é muito parecida, então eu faço uma junção das duas”, explica. E acrescenta Jishnu: “Por vezes a uma receita internacional juntámos algo local, como a couve portuguesa”. Quando isso acontece é o mercado local da região que fornece este estabelecimento.

Estabelecimento que quando está fechado deixa Alexandra Cardoso, cliente habitual do Ananda Café, um pouco perdida. Profundamente crente da sua decisão, quando há sete anos atrás percebeu que só comia carne por ser o “normal”, foi tomando a consciência de que simplesmente não gostava de carne. O tradicional bife com batatas fritas nunca lhe encheu as medidas. “Comecei a enjoar mesmo a carne, então ao perceber que não me sentia bem a consumi-la procurei novas alternativas, novas soluções”.

Alexandra afasta assim dos seus motivos razões “fundamentalistas” ou de defesa dos animais. Nomeadamente, por essa altura participou num retiro de yoga o que fez com que se identificasse com as práticas, começando também a praticar o yoga ao mesmo tempo que ia adotando um regime vegetariano. Um processo gradual, cuja mudança não foi por obrigação, mas por uma questão de necessidade: “Comecei a sentir-me muito melhor e muito diferente”, realça.

Repulsa pela carne

Com uma vida complicada em termos de horários, Alexandra é consultora imobiliária e os seus horários para almoço raramente lhe permitem deslocar-se até casa para almoçar. É nesta envolvência que o Ananda surge como a sua primeira preferência. “Frequento este restaurante duas a três vezes por semana”. Quando este se encontra fechado a alternativa que encontra é o Serra Shopping, mas admite que essa opção não lhe agrada. “No shopping há opções vegetarianas só que não é comida saudável. Come-se uma pizza com o queijo a substituir a carne ou um hambúrguer com feijões, mas feitos onde são fritos os outros hambúrgueres”, lamenta a consultora imobiliária. É por isto que considera espaços como estes “necessários” na Covilhã, e isso a seu ver “reflete-se no aumento dos clientes do restaurante”. As escolhas de mercado na cidade é que são muito limitadas, o que tem como consequência um aumento do preço dada a escassa oferta. Alexandra afirma que os espaços existentes “não são suficientes”, apontando o Celeiro, loja que oferece uma gama de produtos biológicos e os necessários para uma alimentação saudável, como a solução que encontra mas não a ideal, devido aos altos preços praticados.

Alexandra defende que os vegetarianos não são estranhos, são diferentes. Mas ser diferente não implica que sejam complicados, pelo contrário. “Há sempre a tendência de quando um vegetariano vai a um restaurante normal não entenderem que não somos assim tão esquisitos quanto as pessoas pensam, há sempre opções”, defende. A substituição de uma proteína animal é o que faz confusão a muitos. “Acham sempre que têm de meter muita quantidade para suprimir o facto não estar no prato o bife ou o peixe”, referindo que o mais difícil é “passar a mensagem de que os legumes com batata, com arroz, com feijão é o suficiente”.

Entre risos, Alexandra partilha um dos momentos mais controversos pelo qual já passou devido à sua restrição gastronómica. “Uma vez fui a um jantar de empresa, e eu muito pontualmente peixe consigo admitir comer por uma questão de não ser fundamentalista, mas naquele dia não me apetecia mesmo comer, carne nem pensar e peixe também não. Então pedi ao empregado de mesa que me trouxesse só os acompanhamentos, bastaria. Pedi uma omelete, como não sou vegan como ovos, e ele perguntou: mas uma omelete com quê? Pode ser com fiambre? E eu respondi que não, que não como carne. E ele respondeu: então, mas pode ser com bacon? E eu já em tom irritado respondi: Não! É carne! Ou seja, ele não conseguia perceber que tinha de excluir a carne”.

É para evitar situações como esta que o Ananda café abriu portas, sempre a pensar nos seus clientes. A prova disso é o novo menu especial* para os clientes que são estudantes, “um menu que inclui uma sopa, o prato, uma sobremesa e um café por apenas sete euros ao almoço e oito euros ao jantar”, explica Jishnu*. Através de uma alimentação vegetariana é possível obter-se toda a proteína necessária, contrariando alguns dogmas que tendem a permanecer na sociedade. Alimentos como os feijões, as lentilhas, os produtos de soja, a quinoa, o caju, os pistachos e as sementes de abóbora, são exemplos de produtos ricos em proteína. Em casos de vegetarianos que tenham um consumo de proteína abaixo do adequado, basta adicionarem alimentos ricos em proteína às suas refeições e não necessitam de introduzir produtos animais. Para qualquer dúvida, a Direcção-Geral de Saúde (DGS) já fez um manual para quem quer seguir uma dieta vegetariana de forma saudável.

Shila Serrano é dos quatro quem leva este modo de vida até ao limite. Em caso de doença as aspirinas são substituídas pelos seus hábitos e práticas de meditação, é a eles que recorre sempre que o seu corpo pede ajuda. E é assim que espera tratar-se durante toda a sua vida… porque, para si…

"Nenhum coração precisa de parar de bater para que o meu continue batendo".

Shila Serrano