O solitário amigo dos
estudantes que vêm de longe 



por Nívia Cristovão

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Solidão, vazio, isolamento. A maioria das pessoas acredita que viver sem ninguém é o mais difícil da vida. E teme que algum dia, em algum lugar, se vá sentir fisicamente sozinha e emocionalmente só.

Mas estar só nem sempre quer dizer solidão. É o caso de João Gomes Antunes, 79 anos, solteiro, morador na Covilhã e que trabalhou na empresa de lanifícios "Dopai" em Cantar Galo. Vive sozinho desde o falecimento dos pais, em 2009, e tem todos os irmãos fora do país. Em 2010 decidiu entrar para catequista porque sempre teve vontade de o ser.

“As pessoas não nascem todas iguais. Umas nascem para constituir família, outras não nascem para isso e há as que nascem para ficar disponíveis para os outros. Talvez tenha sido o meu caso”, revela o economista reformado e actualmente catequista.



Na Igreja de São Francisco, vai-se cruzando com gentes várias, que acaba por reunir em sua casa e para quem gosta de cozinhar. Estudantes timorenses e angolanos, católicos que estão longe de casa e frequentam a missa ao domingo, cruzaram-se com João Antunes e já criaram laços com ele. Uma relação forte de amizade, de grande afeto, diz o covilhanense.

Vindo do outro lado do mundo para estudar sociologia na UBI, o timorense Francisco Gusmão, vê no senhor Antunes uma pessoa humilde e bondosa, que age com simplicidade e está sempre disposta a tudo, sem fazer qualquer distinção entre as pessoas.



 

Diante de uma vida solitária, José Antunes nunca se sentiu desacompanhado porque prefere sempre a convivência das pessoas. Nunca deixou o seu tempo passar em branco, procura sempre alguma coisa para fazer no dia-a-dia. “Como é que passa o tempo, quando não tem nada para fazer?” É uma pergunta que não tem sentido para o catequista: “Há sempre coisas para fazer”.

Apesar de a idade ir avançando, o senhor Antunes sempre fez tarefas de casa sozinho e mantém-se independente. “Morar sozinho é como morar acompanhado”, diz o ex-economista, habituado a depender só de si, livre para fazer o que quer e sem criar impedimentos a ninguém. Ao contrário dos que têm medo da palavra “sozinho” e que a associam a solidão e tristeza, o catequista sente-se bem a ser o companheiro de si mesmo. 





Quando se entra na casa de João Antunes, pode admirar-se a grandiosidade das imagens e estátuas de santos. Também há os pequenos enfeites e memórias da família, mas em todas as salas há sempre um pequeno retrato do divino que dá uma sensação da paz e serenidade dentro de casa.
 
“Estar bem com Deus é a minha primeira preocupação”, diz Antunes, religioso, sociável e sempre pronto a ser amigo. Toda gente tem momentos na vida em que precisa de alguém para dar suporte, para dar conselhos. Normalmente, é alguém da família ou pessoas próximas. Mais raro é que seja uma pessoa com quem apenas nos cruzamos na rua e que simplesmente entra na nossa vida com amizade e se passa a preocupar connosco.  

Mas foi o que aconteceu a Jeremias Correia, estudante angolano da UBI, que conheceu o senhor Antunes em 2017, na igreja São Francisco, para onde foi convidado a participar na atividade da igreja. Além de ser uma pessoa sempre aberta para todos, o senhor Antunes é um grande conselheiro, tem sentido de humor e é um bom cozinheiro, revela Jeremias.

Cozinhar é um dos seus passatempos preferidos, mas ter cara alegre todo o tempo é característica principal de João Antunes. Desde criança que tinha a ideia de permanecer solteiro, e manteve-se assim por decisão própria, mas os que se sentem sós são aqueles a quem falta afeto e companhia.  



A vida é uma longa caminhada, com muitas transformações e vivências, diferentes fases, da infância à velhice, e alguns optam por ficar sozinhos, mas é só uma maneira diferente de viver. O senhor Antunes é um desses. Diante de uma vida solitária, nunca se sentiu só.

Para aqueles estudantes internacionais, vindos do outro lado do globo, ele é a pessoa que a qualquer hora, a qualquer momento na vida, dá a mão como um pai, como um amigo, e faz acreditar que realmente há algo de bom no mundo, uma amizade sem fim.