Da Estrela para o mundo

O Estrela no seu melhor é outro exemplo de como os blogues podem passar de meras páginas pessoais, a veículos de informação e denúncia.

Foi também para contrariar o esquecimento que uma das maiores riquezas da região parece merecer nos media que o “Cova Juliana” decidiu criar um blogue. O “Estrela no seu melhor” é já uma das mais célebres páginas sobre a Serra da Estrela. Uma página que tem pouco mais de um ano e que conseguiu estar já em diversas ocasiões nos noticiários das televisões e rádios e também nas páginas dos jornais nacionais e regionais.
Foi através deste blogue que se deram a conhecer os casos de detritos provenientes das obras de remodelação do hotel “Varanda dos Carqueijais”, espalhados pela zona envolvente a esta estrutura, do transporte de neve e movimento de terras na zona das pistas de esqui e mais recentemente, os esgotos a céu aberto, no ponto mais alto de Portugal.
O seu autor, “Cova Juliana”, é o pseudónimo “de um jovem que nasceu depois do 25 de Abril” e que faz a descrição da sua experiência no mundo da blogosfera através de um programa de conversação na Internet. Segundo o autor do Estrela, “a ideia de criar um blogue surgiu quando me desloquei um dia a Manteigas e vi a desgraça que está aos olhos de toda a gente. Naquele dia havia desde caixotes lixo caídos, restos de entulho nas bermas, indicações caídas, etc. Parecia que tinha passado por ali um tornado”. Foi pois para denunciar estes “atentados” à natureza que surge o blogue. Coincidência ou não, criado no dia 11 Setembro.
O projecto inicialmente apenas passava por colocar fotos, “mas depois senti necessidade de legendar as fotos. Era pouco mostrar apenas a imagem, senti necessidade de dar a minha opinião”. Paralelamente a este blog surge também o “Maravilhas da Estrela”, local onde o Cova Juliana pretende dar a conhecer “a verdadeira beleza que é a nossa Serra da Estrela e também para mostrar que a blogosfera não serve apenas para apontar o que está errado”.
Esta necessidade de “gritar, de manifestar” encontrou o instrumento perfeito na blogosfera. O autor do Estrela ainda pensou em escrever algo para os jornais regionais, “mas como é fácil de perceber os directores têm sempre o poder de decisão em publicar ou não as referidas cartas. Digamos que teria que passar por uma “selecção”. Assim, encontrei na Internet um espaço efectivamente livre para poder dizer o que sentia. Sim, porque o que eu escrevo é o que sinto”, garante Cova Juliana.
Depois de perceber que o problema da devastação da Serra da Estrela estava a acontecer em várias áreas e era um assunto que interessava a um número significativo de pessoas, acabou por assumir a importância da página “e dizer que o trabalho começado não podia parar”. Sempre com dois blogues como parceiros, “o Máfia e o Cântaro Zangado, o primeiro pelo atrevimento demonstrado em alguns posts que publica e o segundo porque é uma autêntica enciclopédia, um hino à serra e à natureza”, o trabalho do Cova Juliana foi ganhado forma e também dimensão.
O primeiro grande empurrão foi “por alturas de um evento de BTT na serra”. O autor colocou no seu blogue uma denúncia pela má organização do evento. Isto porque “as fitas que marcavam o percurso, três semanas depois ainda se encontravam nos locais”. A mensagem chegou aos órgãos de comunicação social regionais e acabou mesmo por ser capa do Diário XXI. “Aqui comecei a perceber o poder que o blogue podia ter. Depois disso vieram os posts que catapultaram o mesmo para um nível nacional, com os esgotos a céu aberto na torre e os transportes de neve. Estes dois posts fizeram com que o blogue passasse as fronteiras da Cova da Beira”, recorda o autor.
O blogue regista já mais de 27 mil visitas, duas dezenas de denúncias e uma lista considerável de presenças nos mais importantes órgãos de informação.
“A minha missão, ou melhor, a missão que eu assumi, por respeito aos meus leitores, é não parar de mostrar a serra com os olhos que eu vejo”. E no entender do autor do blogue “já se conseguiu muita coisa, em menos de um ano. Acima de tudo, consegui que através da blogosfera a Serra da Estrela fosse falada em outros meios de comunicação. O caso dos esgotos a céu aberto no ponto mais alto de Portugal foi o exemplo disso, de um post que passou para jornais, rádio e TV. E isso porquê? Pela gravidade de uma situação que estava encoberta e foi descoberta por um indivíduo que tinha um blog”.
É por esse mesmo motivo que Cova Juliana aborda no seu espaço de projecção planetária a Serra da Estrela e tudo o que está à volta desse tema. Um tema específico e que segundo o autor, acaba por ter um público-alvo algo reduzido. Contudo, o que mais preocupa este jovem é o facto de “grande parte das pessoas ainda não está sensibilizada para os problemas ambientais e em especial da Serra da Estrela. E pior, há muita gente que está em entidades que zelam pelo turismo na serra, que agem como se as alterações climáticas não se vivam na nossa serra. É um pouco aquela mentalidade “portuga” de que as coisas más apenas acontecem aos outros”.
Por entre as mensagens que surgem no ecrã, em jeito de pergunta e resposta, Cova Juliana vai sempre fazendo questão de deixar bem claro que não quer reconhecimento pessoal ou de outra natureza, pelo trabalho que desenvolve em torno do assunto. Apenas o move a pretensão de “resolver os muito problemas que tenho divulgado”. Para além disso, este espaço permite também, em seu entender, mostrar alguma passividade por parte da imprensa dita tradicional. “Quando houve toda a problemática dos transportes de neve na serra, que é parque natural, rede natura 2000, houve um dos jornais regionais que não tocou nesse tema. Porquê? Cada um tire as suas conclusões... eu tirei as minhas”, lembra Cova Juliana. A actuação dos media merece também outros reparos, na perspectiva do responsável pelo Estrela no seu melhor. “Infelizmente as televisões em Portugal gostam mais de lesões de jogadores de futebol... É mais importante. Creio que as pessoas hoje em dia ‘comem’ aquilo que lhes dão. Infelizmente, temas bastante importantes estão a ser substituídos por coisas fúteis que não levam a lado nenhum, mas enfim... é a sociedade que temos”, acrescenta.
Cova Juliana vê, por isso mesmo, na Internet um meio interessante de nascimento e difusão de blogues que tratem temáticas “mais esquecidas”.
E é precisamente a temática da liberdade oferecida na Internet que Cova Juliana mais evidencia pela positiva. “Os blogues vieram dar poder ao povo, às pessoas que não se encontram representadas. Os blogues vieram dar voz a essa gente. Hoje em dia, em pouco mais de cinco minutos, uma pessoa tem um site pessoal onde pode escrever o que lhe der na real gana, escrever aquilo que sente, seja declarações de amor, artigos de opinião, etc.”.
Mas nesta grande variedade de situações, num conjunto vasto de temas e de possibilidade de comunicar no anonimato que têm surgido diversos episódios de calúnias e difamações. Factos que se registam “quando existem pessoas que abusam, que partem para o ataque pessoal”, explica Cova Juliana. Daí que apenas fale por si e pela sua experiência pessoal. O anonimato, que prefere antes encarar “como um pseudónimo, que Fernando Pessoa também utilizava”, é usado “sobretudo por razões profissionais”. Mas, confessa que quando escreve uma nova mensagem no seu blogue escreve “baseado em coisas objectivas, sem ataques pessoais. Apesar disso, já algumas vezes me têm acusado de estar a atacar as pessoas, coisa que não concordo que o tenha feito e se o fizesse certamente já não existia o blog”, remata.

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