Voltar à Página da edicao n. 385 de 2007-06-19
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
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“Esse acto de escrever em liberdade foi, para mim, um regresso a qualquer coisa”

> Cristina Reis

U@O – A personagem principal do seu último livro, Vera, foi em busca do sucesso fácil e tornou-se numa escritora de “literatura light”. Considera a expressão “literatura light “ uma crítica ou um elogio?
P.C. –
Um elogio não é de certeza. Ela não se chama light por acaso. A “literatura light”, primeiro que tudo, não é exclusiva de Portugal. Existe “literatura light” em todo o lado, não é uma invenção nossa. No entanto, ela tem sofrido algumas nuances. Começou por ser uma literatura feminina urbana, escrita por algumas mulheres oriundas da publicidade, que eram pessoas menos preocupadas com a profundidade da vida e mais preocupadas com as coisas imediatas. Elas encontraram um público que não se revia na literatura portuguesa existente, encontraram um nicho de mercado para uma série de pessoas que queriam uma literatura mais de entretenimento e que nós não tinhamos.
Recentemente, ela mudou um bocado, por influência de alguns sucessos, como o Código Da Vinci, por exemplo. Mas que é igualmente banal como a anterior, porque não está ao serviço de nada. Isto é, a literatura não é por ser complicada que é literatura. Ela é complicada, às vezes, porque está a tentar restringir ao invisível qualquer coisa que lá está dentro, e como nós só temos assim umas ferramentas muito desajeitadas tiramos como podemos aos bocados. Então isto às vezes parece muito difícil, porque nós estamos a tirar pedaços dessa coisa estranha, misteriosa e invisível. A literatura é mergulhar na noite e retirar coisas.
A literatura light ou os novos escritores light, o que fazem é pegar numa história que já existe, falam de casos que interessam às pessoas e que estão muito na ordem do dia, e contam a história, aumentando-a e desenvolvendo-a. Eles funcionam como se fossem actores que estão ao serviço de uma história pré-existente. E a literatura não é isso. A literatura é aquele lado insensato de extrair coisas onde parece que não há nada, é ir a onde ninguém foi.

U@O – Recentemente, em entrevista à TSF, disse que se tivesse de fazer uma recensão crítica ao seu último livro, dar-lhe-ia como título “O regresso de Cachapa”. Porquê?
P.C. –
Porque o “Rio da Glória”, tal como “Materna Doçura” ou “Nylon da minha aldeia”, foi um livro escrito em completa liberdade. Não só andei pelo Brasil, como o escrevi sem me importar nada com o que é que a crítica ia dizer, se estava escrever bem ou mal, sem me importar se estava a ser muito intelectual ou muito interessante… O que não aconteceu sempre com outros trabalhos que eu fiz. E eu disse “este livro vou escrevê-lo como me apetecer. Vou ser divertido aqui, vou gozar ali, vão-me cair em cima na página tal porque estou a falar mal de alguém…” E eu sabia que isso ia acontecer mas não me importei. Escrevi-o em liberdade. E esse acto de escrever em liberdade foi, para mim, um regresso a qualquer coisa.

U@O – Quer dizer que os livros anteriores não os escrevia em total liberdade?
P.C. –
Em total liberdade não, porque existe o peso do nome. Quando nós somos desconhecidos, escrevemos em liberdade, porque ninguém está a olhar para nós, fazemos as coisas no nosso primeiro gesto. Depois de publicarmos e de termos algum sucesso, há muita atenção em cima do que fazemos e isso cria uma espécie de pressão numa primeira fase. De repente, passamos a estar atentos ao que escrevemos, há um movimento instintivo de auto-censura. Que às vezes é bom, porque nos obriga a estar mais atentos, a reformular melhor as frases. Esse lado copista e atento às vezes é bom. Mas há um lado de pressão, e damos por nós a escrever coisas que achamos que são mais importantes do ponto de vista formal, mas que são artificiais. E há alguns trabalhos meus que reflectem essa pressão.

Tenho a impressão que comecei a escrever uma coisa, mas não tenho a certeza

Perfil de Possidónio Cachapa

Escrever é como esvaziar um poço

Os livros não querem saber da minha opinião para nada

Ir ao Brasil foi reencontrar o melhor de nós próprios



"quando nós somos desconhecidos, escrevemos em liberdade"


Data de publicação: 2007-06-19 00:00:00
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