Voltar à Página da edicao n. 374 de 2007-04-03
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: António Fidalgo Directores-adjuntos: Anabela Gradim e João Canavilhas
 

A necessária gravidade do estudo

> António Fidalgo

A Coimbra foram as novas universidades tirar facilmente as vestes académicas de capa e batina, mais o estilo de vida boémio, a borga das noites em branco e dos dias de ressaca na cama. Depois do ensino secundário, saídos da casa dos pais, entrados na maioridade civil dos 18 anos, entregues a si mesmos, os jovens experimentam os excessos da bebida e da comida, em festas e em farras de grupo. Desculpam-se-lhes os excessos; afinal só se tem uma vez 19, 20 anos e se não gozam agora, quando o gozarão? Certamente, não será quando as responsabilidades profissionais e familiares os obrigarão a uma rígida moderação de vida.
Por tradição e cultura a vida de estudante é leve, sem obrigações, despreocupada. É um tempo aberto, livre para actividades extra-curriculares como tunas, grupos de teatro, cineclubes, namoro e desporto. O crescimento e amadurecimento dos jovens passa por essa vida livre e leve, e seria um erro negar-lhes esse tempo de ócio, de liberdade, de possibilidades de experimentação, de aventura mesmo. É bom que a sociedade, os pais ou o Estado, facultem aos estudantes o apoio financeiro para não se preocuparem com as necessidades básicas da vida, com o que hão-de comer ou vestir. Uma formação académica cabal, nas vertentes científica, tecnológica, humana e cultural, exige tempo livre, e corpo e mente desafogados de canseiras ou compromissos.

Mas a leveza da vida de estudante tem como contrapeso a necessária gravidade do estudo. Sob pena de uma infantilidade continuada ou de leviandade existencial. A vida de estudante pode ser de borga, mas não pode ser só de borga, pode ser de farra, mas não só de farra. Exige-se que os estudantes levem a sério o estudo, e que as noites de excessos tenham o seu contrapeso em directas de estudo.

Se atendermos à tradição coimbrã, vemos que os estudantes não cantavam e namoravam apenas, e que a boémia não era tudo. Os da Geração de 70, por exemplo, liam apaixonadamente e escreviam magnificamente. E noutras gerações, jovens universitários iniciaram movimentos artísticos e fundaram revistas. O que não seria possível sem o afinco e a seriedade com que encararam e viveram o estudo.

O enriquecimento extraordinário de Portugal nas últimas décadas, o enorme aumento da população universitária, o bem estar económico, contribuíram para a leveza da vida estudantil. Infelizmente não houve uma correspondente sensibilização para a gravidade do estudo. Vive-se levemente e alegremente, mas não se estuda. A leveza passa a superficialidade e a alegria a criancice.

Com efeito, o estudo é coisa séria, pesada. Tal como os romanos exigiam aos seus adolescentes a gravitas de estar e de agir, como demarcação relativamente à vida de brincadeira própria das crianças, agora exige-se aos estudantes que tenham a gravidade e a responsabilidade de quem estuda. Ou seja, o estudo não é fácil e a vida de estudante não é uma brincadeira. O estudo obriga a compromissos por parte dos estudantes, obriga a uma dedicação funda, coloca exigências de assiduidade às aulas, de perseverança na aprendizagem, individual e em grupo, e de concentração; ou seja, exige qualidades de adultos e não de crianças.
Ora as recentes mudanças havidas nos currículos devido ao processo de Bolonha tornam a gravidade do estudo ainda mais necessária. A diminuição do número de aulas, o aumento do tempo de trabalho individual, são alterações que exigem mais seriedade e responsabilidade por parte de cada aluno. O estudo na biblioteca é mais exigente que a presença numa aula; requer nomeadamente maior domínio de si mesmo, mais disciplina.

É indiscutível que os estudantes universitários portugueses no seu geral estudam muito pouco. Falta-lhes autonomia no estudo, treino e persistência. Poucos são aqueles que estabelecem períodos prolongados e regulares de estudo, de leitura e de escrita. Muitas vezes aparecem nas aulas sem terem feito as leituras exigidas, muitos deles nem sequer se deram ao trabalho de arranjar os textos respectivos, e alguns até nem sabem quais são esses textos. E o pior é que, chamados à atenção, não se dão conta da gravidade da sua conduta. Pelo contrário, espera-se que os docentes não sejam muito exigentes, que condescendam e voltem a dar sucessivas oportunidades.

No estrangeiro, em universidades de renome mundial, também há borgas e farra, os jovens também cometem excessos. Não é nisso que se são diferentes. A diferença está no ambiente de estudo, de disciplina, de seriedade e gravidade quanto toca a estudar. Lá conhaque é conhaque e trabalho é trabalho. Por princípio, um estudante não deixa uma leitura por fazer, nem que para isso tenha de se levantar a altas horas da manhã. As horas da borga. São evidentemente repostas, abdicando do sono ou de tempos livres.

A gravidade do estudo é uma cultura, uma forma de estar e de ser na universidade, que falta em Portugal e que temos de conquistar. Sem rodriguinhos, sem desculpas, sem os porreirismos, tão típicos quanto nocivos, de quem tudo entende e tolera.


Data de publicação: 2007-04-03 00:00:00
Voltar à Página principal

2006 © Labcom - Laboratório de comunicação e conteúdos online, UBI - Universidade da Beira Interior