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A Reforma do Ensino Superior

> António Fidalgo

Que o ensino superior português precisa de valente reforma é algo tão óbvio que a demora é dolorosa para os que na universidade trabalham, ensinam e aprendem. Assim, é de saudar a intervenção do Primeiro-Ministro no debate parlamentar de 21 de Dezembro sobre o ensino superior e o propósito de legislar na matéria, nomeadamente no governo das instituições e na alteração do financiamento. José Sócrates traçou bem as opções políticas fundamentais: mais estudantes e mais diplomados; reforço da capacidade científica e técnica das instituições, da organização e gestão interna, do envolvimento na sociedade e da internacionalização; e aposta no sistema binário, destrinçando o universitário e o politécnico.
Trata-se agora de levar a cabo essas opções e não as deixar no limbo das boas intenções. As regras anunciadas relativamente à escolha dos reitores das universidades e dos presidentes dos politécnicos são um passo importante na concretização de uma maior autonomia e responsabilização. O órgão máximo que traça a estratégia e responde por ela escolhe também o principal da instituição. Nada mais correcto. É que agora os reitores e os presidentes são eleitos por uma assembleia -- com igual número de representantes de docentes e alunos! -- que apenas serve, a bem dizer, para os eleger, reunindo para tal de quatro em quatro anos.
António Barreto, em artigo no Público de 24 de Dezembro, critica fortemente José Sócrates por “meias soluções ou medidas erradas”, por não se limitar dar o “impulso suficiente para que cada um se organize, se reforme, seja responsável e preste contas”. Porém, não diz como fazê-lo. Julgar que as universidades se reformam dando-lhes total autonomia não só é pensamento piedoso, como seria acto de irresponsabilidade por parte do Estado que as financia.
É evidente que é preciso criar um clima de competição e concorrência entre as universidades, e não tratar todas por igual. Mas isso faz-se justamente com novas formas de financiamento, com contratos programa, e não através de uma fórmula, como até aqui, que incidia unicamente no número de alunos. Isso levava justamente à criação da pior das concorrências, a de baixar cada vez mais a fasquia de ingresso, nomeadamente retirando a Matemática como disciplina específica de cursos de ciências e de engenharias, ou a de competir na criação de cursos híbridos, sem densidade científica ou coerência epistemológica, mas com nomes atractivos.
É de louvar por outro lado que finalmente se clarifique o sistema binário do ensino superior português, universidades e politécnicos. Como estávamos, os politécnicos queriam ser universidades, almejando pós-graduações e investigação, e as universidades, na ânsia de captar alunos a todo o custo, iam oferecendo formações tipicamente politécnicas. Se é opção captar novos públicos para o ensino superior, então a via deve ser sobretudo a politécnica. É que não se pode pretender, como anunciou o Primeiro-Ministro, aumentar em 10 anos o número de diplomados em 50%, e manter a exigência científica da formação universitária para todos eles.
A par de uma nova lei da autonomia do ensino superior é crucial e indispensável reformar as leis da avaliação e do estatuto da carreira docente. Precisamente para que as boas intenções tenham consequências. Com uma quinzena de universidades públicas e outros tantos institutos politécnicos a mobilidade de docentes deve ser a regra na progressão da carreira docente. Deve contrariar-se ao máximo a endogamia nas instituições. Uma medida simples seria impedir que alguém chegasse da base ao topo da carreira sempre dentro da mesmo instituição, ou seja, pelo menos uma mudança de categoria, a de professor auxiliar a associado ou a de associado a catedrático, teria de ser feita para uma outra instituição.
As intenções e as leis podem ser as melhores, mas só por si não bastam. São condições necessárias, não são suficientes. Imprescindível à reforma efectiva do ensino superior português é uma reforma de mentalidades generalizada a toda a sociedade. Mais importante do que regras é o ambiente que se cria e em que se vive. Criar um ambiente de estudo, de trabalho, de exigência, que deve ser o clima universitário, é algo que, de algum modo, tem de emergir do espírito e da vontade de cada um. Não se comanda, produz-se e reproduz-se. Num mau ambiente até os bons definham e num bom ambiente até os menos bons singram e acabam por se superar.
Os propósitos e a ambição de reformar o ensino superior estão aí. Haja a vontade, a determinação, para o fazer até ao fim, e haja a sagacidade para superar resistências e a inteligência para escolher os meios da sua realização em todos os domínios.


Data de publicação: 2007-01-09 00:00:00
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