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Substantivos e orações

> António Fidalgo

Substantivos e orações são dois termos que desaparecem na novíssima TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), substituídos por nomes e frases. Maria Alzira Seixo em artigo publicado na revista Visão de 26 de Outubro de 2006, frisa que tal substituição “rompe com a tradição filosófica milenar que funda a relação entre pensamento e linguagem”. Sem pretender entrar na polémica, que felizmente vai viva sobre os méritos ou malefícios da TLEBS: http://ciberduvidas.sapo.pt/controversias/, cinjo-me a recordar o significado lógico e ontológico de substantivo e a dimensão retórica de oração.

Começo com Aristóteles, quando escreve no livro VI da Metafísica que o ser se diz de muitas maneiras, e uma delas se diz do upokeimenon, termo grego para dizer o que está debaixo. Em latim foi traduzido para substância (derivado de sub-stare), que passou também a traduzir o termo grego oussia, ou essência. Substância e essência foram dois neologismos que os latinos se viram obrigados a criar para traduzir numa língua filosoficamente pobre uma língua filosoficamente rica.

Substância (oussia) é, segundo Aristóteles, a primeira e a principal das categorias do ser e do pensar. Uma mesa pode ser baixa ou alta, de madeira ou de ferro, estar aqui ou ali, ter sido feita ontem ou queimada amanhã, mas o que faz com que seja uma mesa é a sua substância de mesa, e não as suas qualidades acessórias, como a qualidade, a quantidade, o lugar, o tempo e as relações. Estas qualidades acessórias são os acidentes, ou sejas as determinações posteriores que incidem ou caiem sobre (accidens é aquilo que cai!) algo anterior, as substâncias.

As substâncias subsistem por si. Os acidentes só subsistem graças às substâncias de que são determinantes. É desta concepção ontológica fundamental que surge então o termo substantivo como o nome que designa uma substância. Os adjectivos designam acidentes e tal como estes só existem enquanto agarrados a um substantivo. Curiosamente a língua alemã continua a mostrar a relevância dos substantivos face às outras palavras preconizando que todos os substantivos se escrevem com letra maiúscula.

Os substantivos passam a sujeitos (sub-jectum – o que está debaixo) lógicos e os acidentes a predicados. Fazer um juízo é então uma predicação, a atribuição de um acidente a uma substância. Ontologia, lógica e linguagem partilham assim de uma concepção comum.

Quanto às orações temos, além das de sapiência, significando neste caso discursos, as que era preciso dividir. Claro que as orações no sentido de orações principais, coordenadas e subordinadas, são frases. Mas o termo oração encerra o acto de orar (seja rezar, discursar ou perorar) que tão importante era para os retores gregos e para os oradores latinos. Na oração está o sentido, a verdade ou a falsidade. As palavras isoladas não são verdadeiros nem falsos. É na oração, na predicação feita e assumida, que encontramos a verdade ou a falsidade de uma afirmação ou negação e o sentido do que se diz.

A língua mais do que qualquer outro elemento que usamos é a nossa pele espiritual. Não podemos viver sem ela. Nela reside a nossa identidade. As designações da língua não são neutras, mas actos de tradição e de cultura.

Dito isto, parecem-se muito sábias as observações de Maria Alzira Seixo, que podem ser consultadas na página web acima indicada.


Data de publicação: 2006-11-21 00:00:00
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