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> <strong>José Geraldes</strong><br />

Solidão

> José Geraldes

A solidão faz parte da vida humana. Não há ninguém no mundo que não tenha passado por momentos de solidão. Em qualquer idade ou em qualquer estado. Seja rico, pobre, classe média ou sem-abrigo. E exerça a profissão de cantor, comerciante, professor, serralheiro, médico ou simples varredor de rua. Ou inclusivamente a função de poder. Até se diz que as decisões difíceis são tomadas num ambiente de total solidão, causando um certo desconforto.
E há momentos na existência em que a solidão aparece de surpresa carregada de sofrimento. Por isso, o filósofo existencialista Gabriel Marcel tenha escrito que “na realidade, só existe um sofrimento: a solidão”.
Nos tempos modernos, vivemos um paradoxo. Nunca houve tantos meios de comunicação. Altamente poderosos. E de uma eficácia sem falhas. As facilidades de encontros mercê das novas tecnologias estão na palma da mão. Multidões acotovelam-se nos centros comerciais.
Fala-se pelo telemóvel e pela Internet horas sem fim. As antigas cartas estão quase a desaparecer. Os bares e clubes de noite povoam-se não só de jovens mas também de gente de meia idade.
A solidão desapareceu com todas estas formas de comunicar? Não. Novas formas de solidão surgiram entretanto. Os contactos tornaram-se superficiais e não vão ao íntimo das pessoas. No meio das multidões dos centros comerciais e das discotecas e bares nocturnos, a solidão irrompe silenciosa a marcar os rostos e muitas vezes a revelar dramas e tragédias.
As pessoas sentem a solidão sem serem capaz de explicar as suas causas. Não se trata de estados de alma passageiros mas de um sentimento de que não se tem aquela felicidade pessoal de realização na vida. Há uma falta de qualquer coisa no fundo da alma.
O sociólogo José Machado Pais num estudo feito vivencialmente e não apenas de teoria descreve dez rostos de solidão que são o retrato do existir humano. Há quase tantas formas de solidão como atitudes tomadas perante acontecimentos que nos impressionam.
A solidão do ressentimento indica a perturbação do desejo de amor em relação a outros que deixa feridas. A solidão da perda é causada pela perda de alguém com quem havia um relacionamento exemplar de amizade. Uma separação que nos deixa sós mesmo estando acompanhados tem o nome de solidão de disjunção.
A perda de sentimento de pertença comunitária em que a vida social é apenas uma simples capa, conduz à solidão da procura. Mas a ansiedade de consumismo e do ter assinala a solidão possessória. Já a solidão dos desapossados própria dos sem-abrigo e dos pedintes está associada a quem não tem o mínimo de recursos para viver.
Quem habitualmente tem depressões, debate-se com problemas existenciais, caindo na solidão depressiva. Também há quem escolha a solidão como opção, construindo o seu mundo interior e a sua identidade em relação com os outros. Os que perderam toda a esperança e não sentem afectos à sua volta, sobretudo os moribundos são classificados na solidão da descrença.
O décimo rosto da solidão – o da indiferença – provém da falta do significado da relação que as pessoas têm com quem as rodeia. As pessoas sentem-se postas à margem ou mesmo ignoradas.
Não nos podemos ignorar estes dez rostos da solidão com os quais nos cruzamos diariamente. Temos de os olhar a sério para transformarmos a solidão num acto de solidariedade. Todos têm direito à felicidade.


Data de publicação: 2006-11-21 00:00:42
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